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Individual de José Bechara desconstrói as certezas na Galeria Marilia Razuk

Artista fala ao ARTEQUEACONTECE sobre o seu interesse pelas coisas falhas, imperfeitas, pelas incertezas e aquilo que “faz muita força para existir”

por Jamyle Rkain

Por Jamyle Rkain

Quando o artista José Bechara voltou de uma viagem, no início do mês de março, suas certezas deram lugar a outros pensamentos. A exposição que abriria em breve na Galeria Marilia Razuk, no dia 18 daquele mês, teria que ter sua abertura cancelada. Bechara tinha acabado de passar por Lisboa e Madrid, onde presenciou uma fase latente da pandemia do novo coronavírus nesses dois lugares. Desta forma, achou por bem contatar a galerista e suspender a agenda da mostra, que já se encontrava montada no espaço físico da casa paulistana.

Composta por 11 trabalhos feitos recentemente pelo artista, a mostra foi intitulada Modos de Condenar Certezas, nome que passou a ter um significado além do pensado inicialmente, sendo permeado pelos acontecimentos do momento, tornando-se uma grande coincidência: “Eu não sabia que teríamos uma pandemia. Eu não sabia que todas as nossas certezas estariam todas comprometidas da noite para o dia, como por exemplo toda a agenda que todo mundo tinha para 2020”, comenta o artista.

Ele diz que esse título tem, em sua concepção inicial, a ver com preocupações que ele elegeu em relação a seu trabalho nos últimos anos. Com bom humor, conta que foram deslocados os trabalhos do Rio de Janeiro para São Paulo com “a certeza de que faríamos uma inauguração”. Quatro dias antes, desistiram da abertura.

Agora, a partir do dia 25 de julho, a mostra ganha uma viewing room online diretamente no site da galeria Marilia Razuk, ficando disponível para visitação até o dia 17 de setembro. Você pode acessá-la clicando aqui. Ela está dividida em duas salas, contendo vistas da exposição montada na galeria e imagens individuais de cada obra, além de um bem elaborado vídeo de apresentação, narrado pelo artista.

Estão presentes uma série de pinturas feitas pelo artista, que ele chama de “criaturas do dia e da noite”, telas que possuem uma trama geométrica mais densa e com uma paleta de cores mais alta. A relação do artista com essas cores de contraste maior começou a ser criada a partir da sua ligação com as esculturas e com uma série com vidros planos que ele realiza. “A partir desses trabalhos, eu me encorajei a criar relações com cores mais altas também na pintura. Tudo é uma consequência do trabalho. Meu próprio trabalho que vai, digamos, animando o próximo trabalho”. Portanto, o que dá vida às suas produções é o próprio desenrolar de seus trabalhos anteriores.

Sem título, 2020

Em sua extensa trajetória, ele é muito reconhecido por suas Esculturas Gráficas. Bechara apresenta nessa mostra apenas um exemplar escultórico, em pequeno formato. A obra dialoga com as cores fortes das pinturas, sendo constituída por um laranja fluorescente. São cubos e grades que formam cubos cheios e cubos vazados, ordenados de forma a criar uma volumetria geométrica. Para falar dessa obra, o artista volta ao título da exposição e ao questionamento sobre as certezas que temos: “O título vem de um interesse que eu acabei criando a partir de geometria, mas por uma geometria imprecisa, imperfeita e cheia de falhas”.

Embora a geometria faça parte de uma ciência exata, a matemática, que gera certezas. Bechara busca em seu trabalho uma geometria que é o contrário disso, “que é falha, que faz muito esforço para surgir”, ele comenta. Na escultura presente na exposição, ele continua, “todos os elementos são soltos, são coordenados por peso e gravidade. Isso quer dizer que, se você esbarrar naquilo, ela desaba inteira”. O artista pontua, portanto, a fragilidade que isso traz para a experiência geométrica, revelando uma preocupação filosófica bastante categórica em seu pensamento e sua produção. E completa: “Se a geometria é um campo de conhecimento afirmativo, de cálculo, como é que ela pode se desfazer facilmente? E é isso o que acontece”.

Allen-Allen mini única, 2020

Nas pinturas, as grades geométricas que de estendem pela tela, também possuem essas falhas. Ao eleger uma e acompanhar com o olhar, o público pode perder que, em algum momento, essas linhas se enfraquecem ou desaparecem. “Eu gosto de pensar a geometria como uma possibilidade que eu tenho de danificar matemáticas”, afirma Bechara. No texto crítico que acompanha a exposição em cartaz, a curadora e crítica de arte, Clarissa Diniz, ressalta essa questão: “(…) José Bechara enfatiza seu elogio ao acidente em razão de sua imprevisibilidade e, consequentemente, pela capacidade de desafiar o poder centralizado da “toda poderosa” mão do artista”

Todo tipo de falha interessa o artista. Ele conta que passou a ver beleza nas falhas e nas imperfeições quando percebeu o quanto elas são numerosas em nossas vidas, desenvolvendo isso no próprio trabalho, carregando consigo esse interesse “por tudo o que faz muito esforço para existir”. A verdade é que, segundo o próprio, ele ainda questiona se foi ele que levou isso para as suas obras ou se foram suas obras que fizeram esse seu pensamento.

Para ele, essa questão das falhas intriga ainda mais neste momento pelo qual passamos. Ele crê que neste momento a humanidade está submetida não apenas a sobreviver, lutar pela vida, mas também – e principalmente – lutar para se tornar mais humana. “Essa pandemia não criou pessoas mais generosas e outras mais avarentas. Ela não criou pessoas mais gentis e outras mais egoístas. Todas elas estavam ali. Ela só ajudou a revelar”.

Clique aqui para ver a mostra.

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