Saudades de um cineminha, ne? Eis um motivo justo para voltar a frequentar as salas de todo o Brasil: Cravos, documentário de Marco Del Fiol sobre os conflitos entre três gerações de artistas – o escultor Mario Cravo Junior; o multiartista Mario Cravo Neto; e, o fotógrafo Christian Cravo. Entre imagens de arquivos de famílias – que incluem momentos de alegrias e agressões – , cenas deslumbrantes das viagens de Christian pela África e os trabalhos de cada artista do clã Cravo, o filme revela com delicadeza as angústias dos três quando falam sobre o processo criativo.
Qualquer relação familiar é difícil – que atire a primeira pedra quem nunca discordou com um pai, irmão, tio ou primo. Quando um membro dessa família tem um trabalho artístico potente (o que na maioria das vezes é resultado de uma personalidade intensa!), certamente tudo fica mais complexo. Agora imagina três! Certamente nada foi fácil para ninguém. Houveram lágrimas de alegria, palavras de sabedoria, olhares duros e brigas profundas.
Logo no início do filme Christian coloca: “Normalmente as pessoas gostam de comprar coisas que são belas de se olhar. E artistas não são necessariamente pessoas boas em seus corações. Eles vivem em conflito. É isso que os faz artistas. Então é muito comum ver artistas enfrentando conflitos internos e por isso, às vezes, eles não conseguem expressar muita beleza”. Poucos minutos depois vemos o trecho de uma palestra de Cravo Neto: :Nós nos envolvemos emocionalmente naquele processo criativo. E trabalhamos feito escravos. Somos donos de nós mesmos, mas às vezes nos perdemos”. Em seguida, já numa entrevista para Marco, o diretor, Cravo Júnior anuncia em alto e bom tom: “Nós somos indivíduos à procura de nós mesmos e de um universo que nos sintonizam de forma física, mental, psíquica ou espiritual. O artista é um ser emocional, porra!” Um artista na família pode transformar tudo em poesia e peso. Agora imagina três.
O filme mostra que apesar do sobrenome comum, os três são completamente diferentes – o avô mais escrachado, o filho mais introspectivo, o neto mais espiritual. Todos talentosos e atordoados. De fato, Christian comenta: “Queriam que meu nome fosse Mario Cravo Bisneto. Minha mãe que não deixou, ela já sabia onde ia dar essa história”.
As imagens íntimas de família tem um motivo: Cravo Neto já pretendia fazer um filme sobre o pai e filmava absolutamente tudo – desde os filhos brincando com a comida, as aberturas de exposições ou o casamento de Christian até intensas discussões. Sempre com a câmera na mão. E nesse ponto o filho primogênito não é diferente: expõe, no filme, cenas das filhas e de suas próprias vernissage, além das viagens a trabalho já ao lado do diretor.
Lukas Cravo, o filho mais novo de Cravo Neto, tem hoje uma empresa de impressão fineart e molduras artesanais, colaborando com vários artistas de Salvador. Lamenta nunca ter trabalhado para o pai. Akira Cravo, que começa a trilhar o caminho do irmão Christian e do pai na fotografia, pontua: “Meu pai nunca falou para eu ser fotógrafo, só me colocou na capa do livro [ Eternal Now, a série mais importante do artista ] e me deu uma câmera”. Mas Christian parece tentar tirar esta carga da próxima geração e, no seu ateliê, repete para a filha, Sofia Cravo: “O papai já te falou que você não precisa ser artista, ne?”