Exposição de Samson Flexor no MAM ressoa momento político do Brasil

Segundo curadora, sua obra tardia tem a ver com o que estamos vivendo na política brasileira e com a pandemia; conheça a trajetória de Flexor

por Beta Germano
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Em 1948, Samson Flexor (Soroca, Moldávia, 1907 – São Paulo, 1971) chegou ao Brasil na expectativa de ter encontrado sua terra prometida. O clima solar, a música, a cultura e a abundância eram muito diferentes da Paris do pós-guerra onde havia vivido com a família nos últimos anos — judeu, foi membro da resistência francesa. 

Rapidamente incorporado aos circuitos artísticos, o pintor, cuja formação havia sido o modernismo europeu, consolidou-se como precursor da abstração brasileira e, em seu Ateliê abstração, fundado em 1951, foi mestre de nomes como Norberto Nicola (1931-2007) e Anatol Wladyslaw (1913-2004). 

Menos de 20 anos depois, em 1964, no entanto, o Brasil era bem diferente daquele que Flexor conheceu quando chegou por aqui. No âmbito público, foi instaurado o golpe militar; no particular, foi diagnosticado com uma doença terminal.

Em 1967, ele apresentou na IX Bienal de São Paulo seus Bípedes, figuras amorfas e monstruosas que, como espécie de protesto, evocavam a truculência do Estado à época. No período anterior, que precedeu os Bípedes e culminou na série, ele já vinha lidando com questões existenciais e dualidades como vida e morte e continuou aprofundando esses temas em seus últimos anos de vida. 

'Bípede', 1967, Samson Flexor. Coleção Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Foto: Paulinho Muniz
Bípede, 1967, Samson Flexor. Coleção Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Foto: Paulinho Muniz

Os tempos são outros, mas continuam propícios para repensar essas e outras obras do período tardio do pintor, feitas a partir de 1957, segundo a curadora da exposição Samson Flexor: além do moderno, que o MAM abre no próximo sábado, dia 22, Kiki Mazzucchelli. “A obra inicial dele no Brasil é muito sensual, bonita, colorida e de boa qualidade. Ele é um dos primeiros pintores abstratos do Brasil, isso não é pouca coisa. Mas sua obra tardia foi muito desprezada, por diversos motivos”, explica. “E ela tem tudo a ver com o que estamos vivendo politicamente no Brasil e em diversas outras democracias, com a ascensão da extrema direita. Ao mesmo tempo, a ideia da fragilidade da vida ressoa muito com esses dois últimos anos de pandemia, em que todos nós éramos confrontados o tempo inteiro com a doença e com a morte.” 

Do moderno ao contemporâneo 

Na primeira sala da exposição estão obras de sua fase mais celebrada e conhecida. Organizada em ordem cronológica, a mostra é didática ao apresentar as fases do pintor e como os temas e as questões formais se desenrolam em sua obra. 

Além do moderno contempla apenas dois quadros realizados antes do pintor desembarcar no país: um autorretrato feito aos 15 anos (a assinatura ainda em cirílico) e uma paisagem que fez aos 17 de sua cidade natal. Em seguida, nos deparamos com as primeiras obras de Flexor ao chegar ao Brasil sob o impacto da efervescência social, econômica e cultural de seu novo ambiente, como o violão cubista de 1948, expostas ao lado de quadros da série Paixão de Cristo (o artista converteu-se ao catolicismo após a morte da primeira esposa e do filho) e de outros trabalhos completamente abstratos, nos quais já não é mais possível reconhecer figuras e destacam-se o movimento, o ritmo e a cor, caso de Vai e vem diagonal em três quadrados (1954). 

É a partir da segunda sala que a exposição começa a apresentar o seu foco de interesse. Em 1956, o primeiro contato de Flexor com o expressionismo abstrato em Nova York irá refletir em seus trabalhos posteriores. Passa, primeiro, a explorar a transparência e a luminosidade e, depois, o gesto e a materialidade da tela, culminando nas séries Élans e Meteoritos, em que explora o movimento vetorial da tela. 

'Sem título', 1963, Samson Flexor. Galeria de Arte Frente por A4&Holofote l Cultura
Sem título, 1963, Samson Flexor. Galeria de Arte Frente por A4&Holofote l Cultura

A série Pedras vem em seguida. Nestes quadros, posteriormente, passa a inserir Aberturas (espaços pintados em cores mais claras). Para ele, ligado à filosofia, essas fendas tornaram-se reflexos da busca existencial do homem: temos dificuldades e encontramos uma saída e, na sequência, talvez, outros obstáculos. 

'Abstrato', 1965, Samson Flexor. Galeria de Arte Frente por A4&Holofote l Cultura
Abstrato, 1965, Samson Flexor. Galeria de Arte Frente por A4&Holofote l Cultura

São essas aberturas que, vistas como olhos de Ciclope por um crítico estrangeiro, transformam-se nos Bípedes, que ele considerava como a expressão máxima de sua obra. Na última sala, estão os trabalhos de sua “fase branca”, onde os Bípedes surgem em tons claros — alguns com manchas vermelhas, outros ligados a figuras geométricas. 

'Pássaros', 1968, Samson Flexor. Galeria de Arte Frente por A4&Holofote l Cultura
Pássaros, 1968, Samson Flexor. Galeria de Arte Frente por A4&Holofote l Cultura

Por fim, Flexor, que durante toda a sua vida recebeu encomendas de arte sacra e retratos, voltou a desenhar figuras inteiras, completas. Uma delas, a que encerra a exposição, retrata uma mulher grávida nua, deitada. E então, a vida, depois de tudo e enfim, faz-se novamente.

Samson Flexor: além do moderno

Data: 22 de janeiro a 26 de junho

Local: Museu de Arte Moderna de São Paulo

Endereço: Parque Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portões 1 e 3)

Funcionamento: terça a domingo, das 10h às 18h (última entrada às 17h30)

Ingresso: R$ 25 (inteira); grátis aos domingos 

Agendamento obrigatório pelo link

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