Entrevista com o Vampiro: 6 obras para conhecer na série

A atual série, cuja segunda temporada acaba de estrear no Brasil, apresenta várias obras de arte que dialogam com os temas e a atmosfera da narrativa

Tempo de leitura estimado: 7 minutos

Baseada no romance de Anne Rice publicado em 1976, a história foi adaptada para o cinema em 1994 sob a direção de Neil Jordan. A trama acompanha a vida do vampiro Louis de Pointe du Lac (interpretado por Brad Pitt), que relata sua história de vida a um repórter. Ele conta sobre sua transformação em vampiro por Lestat de Lioncourt (Tom Cruise), a criação da jovem Claudia (Kirsten Dunst), que se torna sua “filha vampira”, e os eventos que se desenrolam ao longo dos séculos.

Em 2022, o romance foi adaptado para uma série do canal de televisão norte-americano AMC e chega ao Brasil através do serviço de streaming Prime Video. A série exibe obras de arte que vão de Rembrandt a Basquiat e Francis Bacon, apresentadas ao longo da trama principalmente no luxuoso apartamento em Dubai do protagonista Louis, interpretado agora por Jacob Anderson, durante suas entrevistas. O elenco chama a atenção, destacando-se especialmente a interpretação de Eric Bogosian como o entrevistador.

Still da série Entrevista com o Vampiro. Imagem: AMC+

A nova versão expande a história original e atualiza elementos para corresponder ao público e às discussões sociais contemporâneas, adotando uma abordagem mais explícita e profunda, por exemplo, na representação LGBTQIAPN+. Diferente do filme de 1994, a série apresenta de forma clara e desenvolvida o relacionamento romântico e sexual entre Louis e Lestat, interpretado por Sam Reid – entre outros relacionamentos de Louis – esmiuçando a complexidade dessa relação e abordando temas como amor, possessividade e conflito emocional, em contraste com a dinâmica mestre-aprendiz da versão anterior.

Ainda, ambientada no início do século 20, a série atualiza o período e incorpora questões sociais e raciais relevantes para a época. Louis é retratado como um homem negro enfrentando o racismo, além de lidar com sua identidade como vampiro e como parte da comunidade queer.

Still da série Entrevista com o Vampiro. Imagem: AMC+

Já Claudia, interpretada por Bailey Bass na primeira temporada e por Delainey Hayles na segunda, é retratada como uma adolescente mais velha em comparação com a versão do filme, o que permite uma análise mais trabalhada de sua sexualidade emergente e das descobertas e complexidades de ser uma jovem vampira.

Em relação à conexão com o campo das artes visuais, as cenas são repletas de obras de arte, e na segunda temporada é mostrado o interesse de Louis em se tornar marchand. Além disso, há visitas a museus e uma conversa onde Armand, interpretado por Assad Zaman, o segundo e atual amante de Louis, conta uma história sobre um garoto retratado em uma tela de quinhentos anos atrás, que o vampiro mais antigo do enredo conheceu naquele tempo. Nesse contexto, escolhemos seis obras principais para analisar detalhadamente e explorar suas relações com os temas e a atmosfera da narrativa.

Rembrandt, Christ in the Storm on the Sea of Galilee, 1633 © Museu Isabella Stewart Gardner, Boston

1. Rembrandt Harmenszoon van Rijn, “Christ in the Storm on the Sea of Galilee”, 1633

A única pintura de paisagem marinha de Rembrandt retrata uma cena bíblica em que os discípulos de Cristo, que demonstram expressões de medo e esforço, enfrentam uma tempestade violenta no mar, tentando recuperar o controle de seu barco de pesca enquanto uma onda quebra sobre a proa. A obra, marcada pelo detalhamento com pinceladas polidas e cores brilhantes são características do estilo inicial de Rembrandt. A tempestade simboliza a luta entre a fragilidade humana – tanto física quanto emocional – e a força da natureza, enquanto Cristo, calmo no meio do caos, representa fé e serenidade.

O tom dramático da pintura na série pode representar os conflitos internos de Louis para manter a calma e o controle em meio às tempestades emocionais e morais de sua vida como vampiro, também refletindo sua busca por redenção e paz.

Ron Bechet, Transformation, 2021. Crédito: Prospect 5

2. Ron Bechet, “Transformation”, 2021

Suas grandes obras em carvão retratam principalmente paisagens inspiradas no sul da Louisiana, e, enquanto as ilusões do mundo natural são o foco de suas imagens, elas frequentemente servem como metáforas para a condição humana e para a sociedade. As relações interdependentes entre árvores, raízes e cipós são renderizadas por Bechet, que mostra como os cipós se enrolam nas árvores para obter suporte e acesso à luz solar, simbolizando uma relação simbiótica e, por vezes, proveitosa para ambas as partes.

“Transformation” reflete tanto a transformação de Louis de humano para vampiro quanto a complexa relação com Lestat, seu criador e amante. Assim como as plantas interagem e se adaptam, Louis também deve encontrar uma maneira de lidar com sua nova identidade, onde podem coexistir beleza, poder e violência, assim como na natureza.

Francis Bacon, Three Studies for Figures at the Base of a Crucifixion, 1944 © Espólio de Francis Bacon. Todos os direitos reservados, DACS 2024

3. Francis Bacon, “Three Studies for Figures at the Base of a Crucifixion”, 1944

O título do tríptico faz referência às figuras (frequentemente santos) que são retratadas aos pés da cruz em pinturas cristãs da morte de Jesus. No entanto, Bacon as reinterpreta como as Fúrias, deidades da mitologia grega que punem os humanos por seus erros.

Quando a obra foi exibida pela primeira vez em abril de 1945 – historicamente o mês que antecipa o fim oficial da 2ª Guerra Mundial, datado em 8 de maio daquele ano –, provocou uma reação marcante do público e da crítica. Para muitos, as imagens remetiam os horrores do Holocausto, recém-revelados ao mundo, e o medo crescente causado pelo desenvolvimento das armas nucleares. As figuras distorcidas e angustiantes de Bacon pareciam refletir um mundo dilacerado pelo conflito e pela destruição, capturando o sentimento de desespero e desumanidade da época.

Na série, a obra serve como uma alegoria da condição humana, espelhando o enfrentamento contra demônios internos e a angústia existencial de Louis. As figuras perturbadoras e a atmosfera de desespero na obra refletem seu embate com a moralidade e os horrores que ele presencia e perpetra como vampiro. Assim como o tríptico de Bacon evoca um mundo pós-destruição, a vida de Louis é uma constante dança entre destruição e renascimento, capturando a essência da imortalidade vampírica e os ciclos de perda e renovação. Vale também refletir sobre o fundo dos três painéis, dominado por um intenso laranja avermelhado, que pode ser associado a uma representação do inferno e do sangue.

Jean-Michel Basquiat, Slave Auction, 1982 © Espólio de Jean-Michel Basquiat. Licenciado por Artestar, Nova York. Foto: Philippe Migeat – Centre Pompidou

4. Jean-Michel Basquiat, “Slave Auction”, 1982

A pintura, com estilo graffiti e neoexpressionista característicos de Basquiat, aborda o tema da escravidão, mostrando um oceano azul com vários desenhos de cabeças em papéis, simbolizando as pessoas escravizadas transportadas através do Atlântico para terras estrangeiras – incluindo crianças, conforme sugerido pelo tamanho menor de algumas cabeças. A figura imponente vestindo preto e listrado, com braços estendidos, representa o poder opressor que captura e vende esses indivíduos.

A presença da pintura de Basquiat no cenário reflete a história de opressão racial e luta que sublinha parte essencial do passado de Louis como um homem negro em Nova Orleans. O protagonista deve confrontar não apenas sua antiga condição humana, mas também as realidades sociais que continuam a moldar sua vida e suas escolhas.

Vivian Maier, Self-Portrait, 1954 © 2024 Maloof Collection, Ltd.

5. Vivian Maier, Self-Portrait, 1954

Reconhecida postumamente, a fotógrafa de rua norte-americana tornou-se famosa pela profundidade e sensibilidade de seu trabalho, especialmente em seus autorretratos, onde utilizava reflexos em espelhos e sombras para afirmar sua presença em um mundo onde se sentia invisível devido ao seu status social como babá. Assim como Maier, Louis se esforça para definir sua identidade como vampiro e homem negro em uma sociedade que o marginaliza. Seu trabalho lida com a dualidade de presença e ausência, refletindo a própria natureza de Louis como vampiro – eternamente presente e, ao mesmo tempo, ausente da vida normal. Ele vive nas sombras da sociedade, visível e invisível ao mesmo tempo.

Palma Vecchio, Adoration of the Shepherds with a Donor, 1520-25, Itália. Museu do Louvre, Departamento de Pintura, INV 402

6. Palma Vecchio, “Adoration of the Shepherds with a Donor”, 1520-25

A pintura retrata a clássica Sagrada Família inserida em um ambiente externo, próximo a um abrigo de animais. O caráter ticianesco – a estética e habilidade artística utilizadas pelo pintor italiano Ticiano, caracterizadas pela grandeza e expressividade das obras – das figuras e das vestes é típico do trabalho tardio de Palma. Apesar da identidade desconhecida da figura de um garoto ajoelhado à direita, na série, Armand o reconhece e conta uma história fictícia e trágica sobre o garoto e sobre a tela ter sido pintada no estúdio de seu criador.

Além desses artistas, a série apresenta e menciona várias outras obras de arte que aparecem tanto na primeira quanto na recém estreada segunda temporada, incluindo The Kiss of Judas (1908) de Jakob Smits, Salome (1928) de Louis Icart, fotografias de Fred Stein e até uma pintura do ator Peter Macon.

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