Com o título In Minor Keys, a 61ª Bienal de Veneza já tem um tema — e uma ausência. A proposta curatorial foi concebida por Koyo Kouoh, que faleceu de forma repentina no início de maio, menos de um mês antes do anúncio oficial, feito nesta terça-feira (27). Em comum acordo com sua família, a Bienal decidiu manter integralmente o projeto como ela o deixou. A exposição será realizada entre 9 de maio e 22 de novembro de 2026, com prévias nos dias 7, 8 e 9, nos espaços do Giardini, Arsenale e outros pontos da cidade.
Koyo Kouoh faria história como a primeira mulher negra a assumir a curadoria da Bienal de Veneza. A escolha já tinha peso por si só e, agora, com a decisão de seguir com a mostra que ela deixou pronta, isso se confirma de forma concreta. Não é uma homenagem póstuma, mas a realização de um trabalho que já estava em andamento e que ocupará o centro da próxima edição da principal exposição de arte contemporânea do mundo.

O título parte de uma metáfora musical. Em teoria harmônica, os tons menores costumam estar ligados a composições mais introspectivas, dissonantes ou comedidas — não no sentido emocional direto, mas na forma como se estruturam e se manifestam. Kouoh tomou esse conceito emprestado para pensar a exposição em uma curadoria sintonizada com o que ela chamou de “frequências sensíveis”. Em vez de obras que competem por atenção, o foco está em práticas que operam em outros ritmos, que exigem escuta, cuidado e tempo.
Entre outubro de 2024 e maio de 2025, Kouoh definiu o conceito curatorial, selecionou artistas e obras, estruturou o catálogo, delineou o espaço expositivo e desenhou a identidade gráfica da mostra. A execução do projeto ficará a cargo da equipe que trabalhou diretamente com ela desde o início: Gabe Beckhurst Feijoo, Marie Hélène Pereira, Rasha Salti, Siddhartha Mitter e Rory Tsapayi. A lista completa de artistas será divulgada apenas em fevereiro de 2026.
A decisão de manter o plano original não é trivial. Em um circuito acostumado a lidar com mudanças por meio da substituição — de temas, equipes, visões —, a Bienal optou por preservar um pensamento curatorial que, embora interrompido, foi desenvolvido com muita clareza até o fim. Manter o projeto foi uma forma de não ceder à instabilidade. Em vez de revisar, suavizar ou adaptar, a Bienal decidiu sustentar a curadoria como ela foi pensada, com todas as definições já estabelecidas.
A nomeação de Kouoh ganha ainda mais peso quando colocada em perspectiva com a edição anterior. Em 2024, Adriano Pedrosa tornou-se o primeiro curador latino-americano da Bienal. A mostra, centrada na ideia de “estrangeiros por toda parte”, ampliou a visibilidade de artistas do Sul Global e de identidades dissidentes. Mas a execução dividiu opiniões: houve críticas ao excesso de obras, ao desequilíbrio entre os núcleos e à falta de respiro nos espaços — especialmente no Arsenale.
Na edição de 2026, o foco se desloca do mapa para o modo. Em vez de pensar de onde falam os artistas, a pergunta parece ser como falam — e o que conseguimos escutar nesse volume mais baixo. Há, nisso, uma proposição estética e também política. Escolher não competir, não gritar, não performar o tema. Uma curadoria mais interessada em criar espaço para perceber o que já está acontecendo, ainda que em silêncio.
A Bienal de Veneza continua sendo a principal vitrine do sistema da arte contemporânea. O que se mostra (ou deixa de se mostrar) ali tende a repercutir em instituições, feiras, bienais e programas de residência ao redor do mundo. Ao manter a curadoria de Kouoh, mesmo após sua morte, a Bienal recusa a lógica da substituição automática — e afirma, com isso, uma rara coerência institucional.
Talvez In Minor Keys venha a ser uma das edições mais silenciosas da história recente da Bienal. Mas talvez seja justamente aí que ela fale mais alto.
| Crédito da imagem de capa: Pavilhão Central, Giardini. Foto de Francesco Galli. Imagem © La Biennale di Venezia