Adriana Varejão é atualmente uma das artistas brasileiras de maior destaque na cena contemporânea, no Brasil e no exterior. Trazendo o Barroco para a arte contemporânea, a artista carioca possui uma história de profundo fascínio pelo azulejo como metáfora da miscigenação cultural forçada e voluntária no país.
Em 1992, Varejão passou três meses viajando pela China, onde estudou cerâmica da dinastia Song e pintura de paisagem clássica chinesa. A partir dessa jornada, ela começou a considerar como as narrativas eurocêntricas distorcem ou mesmo apagam as histórias de vários métodos e motivos artísticos. Ao retornar para o Brasil, Varejão começou a colecionar exemplares da arte folclórica regional brasileira, como ex-votos e os azulejos fortemente relacionados à decoração das arquiteturas portuguesas. A partir disso, se desdobraram uma sequência de diversos outros elementos que refletem o pluralismo mítico da identidade brasileira e as complexas interações sociais a produziram.
“Tento não construir nenhum discurso, dou pistas narrativas para a pessoa introduzir sua própria narrativa.” – já afirmou a artista. Por isso, destacamos alguns elementos que são bastante presentes em diferentes produções da artista e que podem ser uma chave para você mergulhar em sua obra.
Espacialidade e planos arquitetônicos
Inspirada pelo conceito de luz própria da “mônada” abordado no livro Leibniz e o Barroco de Gilles Deleuze, Varejão partiu de uma simulação virtual, em softwares 3D, onde ela projetava uma malha de grid sobre a tela, onde pintava, por exemplo, a série de pinturas chamada Saunas e Banhos.
Os ambientes atemporais de azulejaria monocromática, desprovidos de narrativa, evocam uma metalinguagem, abordando questões centrais do princípio básico da composição, como linhas, perspectiva, cor, luz e sombra. Nesses labirintos da mente, feixes de luz de uma fonte indetectável e vestígios do corpo humano aparecem às vezes, aqui e ali, na forma de cabelos dispersos ou sangue.
Barroco Brasileiro e Azulejos Portugueses
Interessada em revisitar a História do Brasil, Varejão foi buscar no barroco brasileiro símbolos e simbologias para revelar narrativas não contadas de nosso passado colonial. A pesquisa se desdobrou em um processo de aplicar uma espessa camada de gesso viscoso sobre uma tela estendida que, à medida que o gesso vai secando lentamente, formam-se rachaduras que produzem uma cartografia de fissuras superficiais profundas.
A materialidade viva e violenta do estilo impactou a artista e já se fazia presente em suas primeiras pinturas que retratam detalhes de igrejas de Ouro Preto. Nesse processo ela acabou mergulhando numa pesquisa intensa sobre a azulejaria portuguesa presente nas construções barrocas e, depois, chinesa e latino-americana.
Fendas e Charques
Tendo contato com o Barroco mineiro, um estilo muito visceral, cujo emblema são as chagas e a estética é bastante teatralizada, Varejão passa a “rasgar” as paredes de azulejo expondo a carne, as “entranhas”, da arquitetura brasileira. Com isso, o objetivo é revelar feridas (ainda abertas) e os traumas das violentas histórias que ficaram por muito tempo soterradas, domesticadas e silenciadas, mas que pulsam por debaixo dos esforços de “civilizar” e “modernizar” o país. “É como se houvesse uma força latente prestes a romper a pele da pintura”, explica a artista.
Mapas e paisagens
Para questionar os mitos de formação do Brasil, Adriana se debruça também em mapas, paisagens e diferentes iconografias criadas pelos artistas viajantes como Jean-Baptiste Debret e Johann Moritz Rugendas. Na série Terra Incógnita, “terra desconhecida” em latim, ela busca denunciar os horrores da escravidão, a dominação cultural e visão romântica do país construída pelos europeus.
Autorretrato e 33 tons de pele
Em alguns momentos a artista usa autorretratos para sublinhar diferentes questionamentos – desde os padrões do minimalismo americano até a identidade nacional. Para a série Polvo a artista criou tubos de tinta com 33 diferentes tons de pele fazendo referência a miscigenação brasileira. Em seguida, ela fez autorretratos com esses diferentes tons ou com grafismos em seu rosto, fazendo referência aos povos originários.