Elementos-chave para compreender a potência da obra de Adriana Varejão

Carnes, azulejos, fendas, e outros elementos tornam as obras de Varejão são facilmente identificáveis e poderosas

por Giovana Nacca
4 minuto(s)
Adriana Varejão
Foto de Adriana Varejão por Murillo Meirelle

Adriana Varejão é atualmente uma das artistas brasileiras de maior destaque na cena contemporânea, no Brasil e no exterior. Trazendo o Barroco para a arte contemporânea, a artista carioca possui uma história de profundo fascínio pelo azulejo como metáfora da miscigenação cultural forçada e voluntária no país.

Em 1992, Varejão passou três meses viajando pela China, onde estudou cerâmica da dinastia Song e pintura de paisagem clássica chinesa. A partir dessa jornada, ela começou a considerar como as narrativas eurocêntricas distorcem ou mesmo apagam as histórias de vários métodos e motivos artísticos. Ao retornar para o Brasil, Varejão começou a colecionar exemplares da arte folclórica regional brasileira, como ex-votos e os azulejos fortemente relacionados à decoração das arquiteturas portuguesas. A partir disso, se desdobraram uma sequência de diversos outros elementos que refletem o pluralismo mítico da identidade brasileira e as complexas interações sociais a produziram. 

“Tento não construir nenhum discurso, dou pistas narrativas para a pessoa introduzir sua própria narrativa.” – já afirmou a artista. Por isso, destacamos alguns elementos que são bastante presentes em diferentes produções da artista e que podem ser uma chave para você mergulhar em sua obra.

Espacialidade e planos arquitetônicos

Inspirada pelo conceito de luz própria da “mônada” abordado no livro Leibniz e o Barroco de Gilles Deleuze, Varejão partiu de uma simulação virtual, em softwares 3D, onde ela projetava uma malha de grid sobre a tela, onde pintava, por exemplo, a série de pinturas chamada Saunas e Banhos. 

Adriana Varejão
“O sedutor”, 2004 – Adriana Varejão

Os ambientes atemporais de azulejaria monocromática, desprovidos de narrativa, evocam uma metalinguagem, abordando questões centrais do princípio básico da composição, como linhas, perspectiva, cor, luz e sombra. Nesses labirintos da mente, feixes de luz de uma fonte indetectável e vestígios do corpo humano aparecem às vezes, aqui e ali, na forma de cabelos dispersos ou sangue.

Barroco Brasileiro e Azulejos Portugueses

Interessada em revisitar a História do Brasil, Varejão foi buscar no barroco brasileiro símbolos e simbologias para revelar narrativas não contadas de nosso passado colonial. A pesquisa se desdobrou em um processo de aplicar uma espessa camada de gesso viscoso sobre uma tela estendida que, à medida que o gesso vai secando lentamente, formam-se rachaduras que produzem uma cartografia de fissuras superficiais profundas. 

A materialidade viva e violenta do estilo impactou a artista e já se fazia presente em suas primeiras pinturas que retratam detalhes de igrejas de Ouro Preto. Nesse processo ela acabou mergulhando numa pesquisa intensa sobre a azulejaria portuguesa presente nas construções barrocas e, depois, chinesa e latino-americana.  

Fendas e Charques

Tendo contato com o Barroco mineiro, um estilo muito visceral, cujo emblema são as chagas e a estética é bastante teatralizada, Varejão passa a “rasgar” as paredes de azulejo expondo a carne,  as “entranhas”, da arquitetura brasileira. Com isso, o objetivo é revelar feridas (ainda abertas) e os traumas das violentas histórias que ficaram por muito tempo soterradas, domesticadas e silenciadas, mas que pulsam por debaixo dos esforços de “civilizar” e “modernizar” o país. “É como se houvesse uma força latente prestes a romper a pele da pintura”, explica a artista.

"Suturas Fissuras Ruínas" de Adriana Varejão na Pina Luz para Pinacoteca de São Paulo
“Suturas Fissuras Ruínas” de Adriana Varejão na Pina Luz para Pinacoteca de São Paulo

Mapas e paisagens

Para questionar os mitos de formação do Brasil, Adriana se debruça também em mapas, paisagens e diferentes iconografias criadas pelos artistas viajantes como Jean-Baptiste Debret e Johann Moritz Rugendas. Na série Terra Incógnita, “terra desconhecida” em latim, ela busca denunciar os horrores da escravidão, a dominação cultural e visão romântica do país construída pelos europeus.

Adriana Varejão
Terra incógnita, 1992

Autorretrato e 33 tons de pele

Em alguns momentos a artista usa autorretratos para sublinhar diferentes questionamentos – desde os padrões do minimalismo americano até a identidade nacional. Para a série Polvo a artista criou tubos de tinta com 33 diferentes tons de pele fazendo referência a miscigenação brasileira. Em seguida, ela fez autorretratos com esses diferentes tons ou com grafismos em seu rosto, fazendo referência aos povos originários. 

“Suturas Fissuras Ruínas” de Adriana Varejão na Pina Luz para Pinacoteca de São Paulo

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