2020 não foi fácil. O mundo parou para evitar o avanço do contágio do COVID-19. Grandes exposições foram canceladas ou adiadas; feiras e os colecionadores precisaram se adaptar a um novo sistema; museus lutaram para permanecer ativos e dialogando diariamente com o público, mesmo que agonizando com corte de orçamento e funcionários.
As consequências sociais, sanitárias e econômicas ainda são incalculáveis, mas para um “que nunca existiu”…até que o mundo das artes se virou relativamente bem. Seguem abaixo as exposições, açore e programas que se destacaram de acordo com o time do AQA:
1. Luiz Roque no Pivô
Conhecido por discutir como corpos – seus desejos e limites – podem ser territórios de disputas e transformações política e por questionar como será o futuro das nossas cidades e sociedades, ainda regidas pela herança modernista e sua distopia, Luiz Roque apresentou uma bela individual no Pivô com sete obras audiovisuais, sendo duas inéditas no Brasil. República, filme que nomeia a exposição, nasceu a partir de uma pesquisa sobre o próprio bairro onde o artista mora e onde está localizado o Pivô; e estudos sobre os indivíduos que habitam sua emblemática praça. Trata-se de uma grande comunidade que migrou para São Paulo para fugir de medos e buscar desejos. O artista decidiu, então, desenvolver uma narrativa a partir das aspirações sexuais e identitárias/estéticas para propor uma visão sobre corpo como território de disputas e transformações políticas.
Em Zero, realizado durante uma residência artística em Dubai, nos Emirados Árabes, o artista propõe um clima de futuro distópico que dialoga com vários outros trabalhos, incluindo Ano Branco – também presente na mostra. O personagem principal do filme é um cachorro que viaja sozinho numa aeronave que sobrevoa o deserto em torno de uma espécie de oásis de arranha-céus futuristas. As superfícies reflexivas, limpíssimas e brilhantes contrastam com o céu, ao fundo, tomado pela poeira desértica. O artista cria, então, uma atmosfera em que a tecnologia aponta para a superação do próprio conceito de humano, na qual o animal à deriva – talvez a última vida restante – aparece como um alerta perturbador sobre as consequências de grande parte das decisões políticas e econômicas do século XX. Luiz Roque certamente está entre os mais potentes e consistentes artistas de sua geração… e vai longe.
2. Joan Jonas na Estação Pinacoteca
Uma das primeiras artistas a trabalhar com videoarte em Nova York nos anos 1960 e 1970, Joan Jonas não veio ao Brasil, como o planejado, por causa da pandemia do COVID-19, mas sua presença foi garantida pela montagem de sua belíssima individual na Estação Pinacoteca. Jonas fazia experimentos com filmes, uma nova tecnologia na época, e se destacou por misturar diferentes mídias criando camadas em seus trabalhos. Literatura, teatro, filme, dança, escultura, desenho, performance, instalação – tudo se mistura e se completa como é possível ver nas grandes instalações presentes na mostra: Volcano Saga, onde a artista interpreta um conto islandês no qual a protagonista parte numa viagem em busca de um oráculo e de informações sobre seu destino; Moving Off the Land II, apresentada pela primeira vez na Bienal de Veneza de 2018, que nasce a partir de investigações em diversos aquário do mundo inteiro e uma oficina feita com a comunidade local em Veneza; e, stream or river flight or pattern III, que parte da artista para o no sul da Espanha onde ela filmou a natureza e de cenas urbanas e desenvolveu uma fixação por observar e desenhar pássaros.
Misturando instâncias íntimas e públicas, Joan Jonas sempre cria videoinstalações com tom místico, mágico e teatral. Une sonhos, afetos e subjetividades a protestos sociais, como a luta feminista e defesa dos animais. Alguns elementos significativos e recorrentes para entender o seu trabalho: as máscaras para incorporar novas e diferentes personas; os espelhos e os espelhamentos, não só de imagens mas também de processos e mídias; colaboradores com quem ela trabalha em suas viagens – mote de sua produção, a artista se aproveita da própria condição de estrangeira atenta ou de quem se desloca para conhecer o novo. Vale conferir, ainda, a obra Double Lunar Dogs, vídeo criado em 1984, baseado numa ficção científica de Robert Heinlein: passageiros que estiveram a bordo de uma espaçonave por tanto tempo que não se lembram mais de sua missão. Aqui é interessante observar, mais uma vez, a relação da artista com o desenho e os jogos com a sobreposição de imagens usando espelhos, projeções ou, nesse caso, vidros. Com isso, a artista criava filtros muito antes do nascimento das mídias sociais!
A mostra pode ser visitada até o mês de fevereiro de 2021, na Estação Pinacoteca
3. Vento no Pavilhão no Pavilhão Ciccillo Matarazzo
Marcado pela pandemia do Covid-19, 2020 será lembrado também por uma revisão e reforço de questões que já estavam no radar da equipe curatorial da 34ª Bienal de São Paulo. A mostra principal foi adiada para setembro de 2021, mas os curadores idealizaram a mostra Vento como uma forma de responder ao momento que vivemos, usando a arte como forma de exercitar inquietações que a pandemia nos trouxe ou exacerbou. A ideia era criar uma exposição que fosse ao mesmo tempo radical – ressaltando a arquitetura do edifício e criando vazios e ruídos – e acolhedora, como uma espécie de alento para tempos tão difíceis. E foi. A mostra Vento trouxe obras interessantes e de qualidade – o que é por si só reconfortante diante de uma quantidade assustadora de obras ruins – e apontou para dois enunciados que devem reaparecer em 2021.
Um dos recursos da 34ª Bienal de São Paulo é apresentar “enunciados” marcados por elementos, objetos ou conhecimentos que não vêm necessariamente do campo das artes plásticas, mas trazem em si muitas histórias que se relacionam com as questões levantadas pelas obras. Um deles é pontuado pelo único sino tocado quando Tiradentes foi executado, em 1792. Por ser inimigo da coroa, nenhum sino poderia tocar naquele momento. Porém, o sino da Capela do Padre Faria, em Ouro Preto, ressoou a noite inteira, como uma homenagem. Em 1960 o mesmo sino foi levado para Brasília e tocado na inauguração da cidade, tornando-se símbolo da nova nação que tentavam construir ali. Trata-se de uma chamada dos curadores para questões resistência e ressignificação, mostrando como a história se repete e, nesse processo, muda os seu sentidos e signos.
Outro enunciado importante aparece nos cantos do povo maxakali que são preservados como um grande repositório da memória deste povo, reforçando sua forma de existir, se relacionar e atuar no mundo, produzindo cura e transformação. É uma cultura que persiste de uma forma significativa, pois não está guardada num livro ou no saber de poucas pessoas. O repertório de cantos só pode ser compartilhado nos rituais a partir do encontro coletivo, pois cada indígena é cuidador de um grupo de cantos. A ideia é nos fazer pensar sobre a nossa propria maneira de lidar com a história, com a memória, com a coletividade; e que tipo de ações nós fazemos para resistir aos apagamentos, aos silenciamentos; e que tipo de repertório estão guardados em cada pessoa para que possamos formar um corpo coletivo. “A arte é sim um canal de renegociação de sentidos, sentimentos e ideias, sobretudo em momentos de crise”, revelou o curador Paulo Miyada. Aguardamos ansiosamente para a mostra principal!
4.Pedro França e Victor Gerhard na Galeria Jaqueline Martins
Entre tantas tentativas de criar view rooms que buscavam reproduzir a experiência artística do mundo físico, destacaram-se os artistas que entenderam as possibilidades da internet e usaram sua linguagem e tecnologia a seu favor. É o caso de Pedro França que apresentou uma mostra 3D, no site da galeria Jaqueline Martins, ao lado do artista Victor Gerhard. Para começar ele ignorou a porta de entrada da galeria conduzindo o visitante a adentrar os espaços virtuais por um buraco! Do lado esquerdo, uma fogueira (impossível numa exposição física por questões de segurança) e uma escultura fantasmagórica criada por Pedro com tecido verde chroma key que dialoga diretamente com o vídeo feito a partir das câmeras de segurança da galeria que registrou os ambientes vazios, quase assombrados. ““A nossa ideia era fazer esse andar bastante claro, com luz chapada e branca como nas farmácias. A grama, a parede dourada, o tubo de luz fluorescente na arara das roupas – tudo foi usado para construir esta atmosfera. E quando você vê o fogo num lugar claro assim significa que algo deu errado. É o oposto da imagem do fogo na penumbra que remete ao aquecer, ao iluminar , um lugar para reunir e contar história. A fogueira aqui é uma espécie de escultura e traz a ideia de colapso! “, explicou o artista.
Diferente da maioria das viewing rooms criados por aí, o projeto não pretendia simular a experiência de uma visita física com 3D toscos (que definitivamente não reproduz a realidade) ou se reduzia a publicar uma seleção de fotos de obras feitas para uma vivência in loco. Apesar de escolher algumas obras criadas em mídias mais tradicionais, como pintura e desenho, e não ignorar a própria ideia de exposição, onde obras de arte são sobrepostas e em diálogo, a dupla e a equipe da galeria criam uma atmosfera única e mais coerente com as possibilidades de experimentar arte em tempos de isolamento social – e, quem sabe, sempre daqui para frente? Talvez por serem mestres em abraçar a “tosquice” da vida real, Pedro e Victor acertam o tom perfeito utilizando um mix de modelos 3D, fotografia e imagens do próprio circuito de segurança da galeria. Foi um respiro num dos meses (até agora) mais difíceis da pandemia do COVID-19.
5. Individuais do CCSP
Este ano de 2020, marcado pela pandemia do novo coronavírus, os desafios para a cena cultural e artística, que já eram difíceis, sobretudo no Brasil, foram ainda maiores. E é com esse pano de fundo que aconteceu um dos maiores e mais importantes editais de arte do país que, em 2020 completa 30 anos, o Programa de Exposições do CCSP. São 14 artistas selecionados entre 874 candidatos, mais 4 artistas convidados, que compõem as 18 mostras individuais simultâneas dentro do CCSP. Um recorte histórico marcado pela diversidade de pessoas, com maioria de não brancos, transsexuais e de diferentes origens regionais, “…expressão inequívoca da mudança de cenário que as artes contemporâneas têm passado em anos recentes no Brasil, a partir de formas, linguagens e pesquisas artísticas mais plurais”, diz Hélio Menezes em texto do catálogo. Ele, que é curador de artes visuais do CCSP no setor de arte contemporânea, assina a curadoria da exposição ao lado de Maria Adelaide Pontes, curadora de artes visuais da instituição responsável pelo acervo.
A diversidade em mostras tão importantes como essa, traz uma visão latente de transformação social, muito importante e urgente na sociedade atual. Elas amplificam vozes e incluem novos pontos de vista em uma sociedade homogeneizada e padronizada, que precisa aprender a ver e a sentir que cada um traz consigo as suas próprias questões, sejam elas culturais, físicas ou de gênero. Ventura Profana traz uma das obras mais impactantes da mostra: “Plantações de Traveco, Para a Eternidade”. Uma instalação feita em tijolos lembrando uma casa simples, e que convida os visitantes a entrarem. Em uma mistura entre o sagrado e o carnal, a ambiguidade é a mais aparente, como em “Josué 24:15 – “Nem Eu, Nem Minha Casa Servimos Ao Senhor”, um capacho vinílico camuflado que dá as boas vindas aos convidados. Uma frase bíblica que retirada do contexto, muda radicalmente seu significado, e assim, a artista ocupa seu lugar no mundo.
Na performance Picumã, Rafael BQueer tem, preso em seu cabelo, uma longa trança que segura um gigante lustre de cristal. Enquanto a gravidade faz a sua força para que o lustre caia no chão, Rafael o segura com seu cabelo, quase como um ponto de força mitológica que, ao se romper, deixa o lustre cair. Por fim, em uma edição marcada pelas performances, Antonio Amador e Jandir Jr executam a Amador e Jr. Segurança Patrimonial Ltda. Ambos se vestem com as mesmas roupas dos seguranças do espaço e apontam para o que deve ser visto ou deveria ser visto, causando uma perplexidade em quem passa e os vê, às vezes, apontando para o nada. O duo tem seus problemas centrais vindos das relações entre instituições como o próprio CCSP e as pessoas que trabalham cotidianamente na segurança do local.
A mostra pode ser visitada até o mês de março de 2021, no CCSP.
6. Vexoá: Nós Sabemos na Pinacoteca
A Pinacoteca de São Paulo abriu no dia 31 de outubro a primeira exposição na instituição que reúne essencialmente obras de artistas contemporâneos de origem indígena! Com curadoria da artista, educadora e pesquisadora Naine Terena, a mostra Vexoá: Nós Sabemos abarca trabalhos de artistas que ganharam bastante espaço na cena nos últimos anos, como Denilson Baniwa e Jaider Esbell, mas também apresenta artistas que nunca estiveram em exposições em âmbito institucional. Montada em três salas novas da sede da instituição na Praça da Luz, a Vexoá tem também a potência da variedade de mídias e suportes que as obras são feitas, mostrando também a diversidade de cada etnia às quais pertencem os 23 artistas e coletivos que compõem a mostra.
Isso faz da coletiva uma exposição essencial para quem quer conhecer essa produção vasta e com várias particularidades, muitas vezes vista com preconceito sendo reduzida a “artesanato”. Estão presentes obras como Guerra nas Estrelas para Sustentar o Céu, de Edgar Corrêa Kanaykõ, fotógrafo do povo Xakriabá, de Minas Gerais. Edgar utiliza a fotografia como uma ferramenta de luta e resistência, retratando aquilo que um povo indígena é, quebrando estereótipos estabelecidos por um olhar que vem de fora. Além disso, um conjunto de acrílicas sobre tela e sobre alvenaria de Daiara Tukano, da etnia Tukano, povo indígena do Alto Rio Negro, no Amazonas, que transpõe para telas de pequenas proporções aspectos da cultura do seu povo, tendo uma grande influência da cestaria e da cerâmica de seu povo, especialmente nas formas que a tinta vai tomando nas telas. Também está a Árvore de Todos os Saberes, um painel coletivo que transitou por diversos povos originários do continente americano, com marcas culturais de cada um deles, feitas ao longo dos últimos sete anos. O trabalho é uma proposição do artista macuxi Jaider Esbell, de Roraima, que fez o painel como uma obra de participação coletiva e itinerante.
A mostra pode ser visitada até o mês de março de 2021, na Pinacoteca.
7.Trisha Brown no MASP
São muitos os momentos em que dançarinos e artistas colaboraram estreitamente, desde Sergei Diaghilev e Pablo Picasso até Lia Rodrigues e Tunga. Mas os primeiros bailarinos a “ocupar” os museus foram os que frequentavam a lendária Judson Church, em Nova York, nos anos 1960. Entre eles, está Trisha Brown que marcou o início da dança pós-moderna ao quebrar uma série de paradigmas.
Responsáveis por deslocar os gestos e os espaços da dança em todos os possíveis sentidos e quebrar os limites entre dança e vida, a artista/coreógrafa foi escolhida pelo MASP para “abrir” o ano dedicado às histórias da dança do museu. Quando pesquisamos as Histórias da sexualidade, Histórias afro-atlânticas e Histórias das mulheres, nos deparamos com questionamentos importantes que passam pelo debate sobre a representação do corpo em movimento, suas posturas, ritmos e pulsações. Por isso, vamos propor um diálogo entre dança e artes visuais”, explica Adriano Pedrosa. Infelizmente, por causa da pandemia do COVID-19, muito do que foi programado precisou ser cancelado ou adaptado, mas já valeu poder ver Hélio Oiticica: a dança na minha experiência; Degas; e, Beatriz Milhazes: avenida paulista. A exposição Trisha Brown: coreografar a vida, curada por André Mesquida foi, no entanto, a mais surpreendente e relevante: primeiramente por tratar-se de uma artista de grande importância histórica nunca vista no Brasil e também pela bela curadoria e apresentação dos 160 trabalhos.
Trisha se apropria de movimentos do cotidiano e os transforma em dança. “Ela passa a mão no cabelo e não sabemos se ela estava de fato arrumando o cabelo ou se ela incorporou o gesto de arrumar o cabelo na coreografia. Trisha traz sugestões que deixam várias aberturas de interpretação e isso é uma grande contribuição tanto para a dança quanto para a arte contemporânea”, explicou Mesquita. Do balé clássico, Trisha elimina a dramaticidade, a rigidez e a exploração dos limites do dançarino, propondo a libertação do corpo e do movimento. Os gestos ficam mais fluidos apesar de matematicamente calculados. São danças livres e orgânicas, com movimentos simples e que instigam diferentes partes do corpo. Não há coreografia e sim instruções realizadas de forma singular por cada bailarino, trazendo à tona uma sensibilidade intelectual única para a história da dança. Um dos pontos altos da exposição foi o texto que Trisha declama enquanto dança Accumulation, uma série de movimentos matematicamente estruturada.”Ela narra os movimentos e traz algumas lembranças e traumas enquanto se movimenta. Num dado momento ela fala que seu pai morreu entre um movimento e outro, mostrando como o corpo armazena uma memória. É uma contribuição muito bonita”, ressalta o curador. Outro destaque foi poder ver uma seleção dos desenhos e diagramas criados pela artista e poder perceber como tudo na vida era, para ela, uma coreografia – daí, inclusive, vem o título da mostra. Em It’s a drawing, Trisha coloca uma folha de papel no chão e dança com pedaços de carvão. Assim, o registro final trata-se dos resquícios dos seus gestos.
Se a gravidade sempre foi investigada na história da dança, Trisha leva a questão ao extremo, desafiando-a: os bailarinos literalmente andam nas paredes e vestem roupas na horizontal. Radicaliza, assim, gestos do cotidiano para complexificar nossas noções de movimento, corpo e coreografia. Confronta, ainda, os espaços tradicionais da dança e promove “espetáculos” em espaços abandonados e nas coberturas de prédios no Soho, onde trabalhou com amigos artistas como Gordon Matta-Clark e Donald Judd que também questionavam a ocupação da urbe. Além disso, ela convidava artistas para trabalhar em suas peças: Judd e Elizabeth Murray fizeram cenários e Robert Rauschenberg foi o responsável por alguns cenários e também figurinos.
8. Programa convida do IMS
Lançado em abril, com o objetivo de apoiar a produção artística durante a pandemia, o programa Convida, do Instituto Moreira Salles, acabou incentivando muitos artistas a fazerem trabalhos magníficos,mesmo em situações tão adversas como as impostas por 2020. O programa foi composto por três etapas e, em cada uma, o projeto comissionou artistas e coletivos para criarem novas obras para o site do IMS que poderiam ser elaboradas a partir de fotografia, cinema, música, literatura, artes visuais e desenho gráfico.
No total, somando as três fases, o IMS disponibilizou R $1.500.000 para apoiar cerca de 170 criadores, incluindo desde artistas renomados como Bené Fonteles, Arjan Martins e Denilson Baniwa até jovens talentos que estiveram no radar do ARTEQUEACONTECE como Davi de Jesus do Nascimento, Gustavo Caboco, Jota Mombaça, Tiago Santana13 artistas brasileiros para acompanhar em 2021 e Biarritzz. Vale assistir, ainda, aos trabalhos do Grupo Empreza, Priscila Rezende e Ventura Profana.
Além de ter sido um significativo incentivo, o programa destacou-se pela diversidade de selecionados representando o Brasil por artistas de diferentes raças, gêneros, regionalidade, contexto social e cultural. Todos os trabalhos estão disponíveis no site institucional e nas redes sociais do Instituto Moreira Salles. Desse modo, mesmo com seus centros culturais fechados por vários meses, o IMS buscou trazer interpretações particulares do que estava sendo visto e vivido no país inteiro.
9. Vozes contra o racismo
“A senzala moderna é o quartinho da empregada”, anuncia a rapper Preta Rara no vídeo criado pelo canal Arte 1 sobre o seu trabalho para a coletiva Vozes contra o racismo, curada por Helio Menezes, Amarilis Costa, Ligia Rocha e Thamires Cordeiro. A exposição nasceu da ideia de espalhar fotografias, vídeos, lambes e grafites de 30 artistxs por 40 pontos da cidade de São Paulo. A ideia de Hélio era reunir artistas que têm trabalhado questões de identidade, pertencimento e combate ao racismo – tudo para propor novas vidas em sociedade e imaginar novas projeções de futuro, a partir da revisão da história do nosso país e da ocupação criativa de lugares-chave para contar essas histórias – caso da Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha e do Monumento às Bandeiras.
O projeto começou com a projeção de Brasil Terra Indígena, criado por Denilson Baniwa em parceria com o Coletivo Coletores, sobre a escultura de Victor Brecheret que homenageia os Bandeirantes. O vídeo começa com uma caravela portuguesa que é naufragada pela ação dos ventos, da chuva, do fogo, do mar e por isso nunca chega ao porto. A partir desse afundamento surgem bichos, plantas, seres espirituais da cosmologia Baniwa pintados com neon em meio a frases como “Brasil Terra Indígena” e “SP Terra Indígena”! O artista nos lembrou, ali, que o local onde foi feita a homenagem, a cidade de São Paulo e o Brasil são indígenas e não daqueles que exploraram os sertões durante os séculos XVII e XVIII. Trata-se de uma ação importante e significativa no ano que o movimento #blacklivesmatter se intensificou fazendo com que o mundo inteiro passasse a rever os personagens homenageados em suas estátuas públicas. “Os formatos com os quais estamos trabalhando, o grafitti, a videoprojeção, videomapping e os lambes, tem uma dimensão bastante pública, eles se realizam fora dos espaços museais previstos, fora das galerias especializadas, e com isso tem um potencial muito grande de atingir novos públicos” comenta Menezes em entrevista para a Arte Brasileiros. O formato escolhido também foi potente porque, além de evitar aglomeração e o aumento do contágio da pandemia do COVID-19, a equipe de curadores conseguiu chamar atenção não só para o forte racismo ainda vigente no nosso país, mas por apagamentos da própria cidade de São Paulo.