Conceição Evaristo inspira tema da 36ª Bienal de São Paulo

A edição dará foco às relações humanas, propondo a alegria, a escuta e a beleza como âncoras políticas

por Giovana Nacca
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Bienal
Equipe conceitual da 36ª Bienal de São Paulo © João Medeiros / Fundação Bienal de São Paulo

Quando eu morder
a palavra,
por favor,
não me apressem,
quero mascar,
rasgar entre os dentes,
a pele, os ossos, o tutano
do verbo,
para assim versejar
o âmago das coisas.
Quando meu olhar
se perder no nada,
por favor,
não me despertem,
quero reter,
no adentro da íris,
a menor sombra,
do ínfimo movimento.

Quando meus pés
abrandarem na marcha,
por favor,
não me forcem.
Caminhar para quê?
Deixem-me quedar,
deixem-me quieta,
na aparente inércia.
Nem todo viandante
anda estradas,
há mundos submersos,
que só o silêncio
da poesia penetra.

Quem hoje sabe mastigar as palavras até o âmago? Olhar o nada, permitir que a quietude nos penetre? Andar sem pressa, ou ainda, estar na “aparente inércia”? Os versos do poema “Da calma e do silêncio”, escritos por uma das maiores ensaístas brasileiras, Conceição Evaristo, inspiram o conceito da 36ª edição da Bienal de São Paulo como uma resposta à atual cultura individualista, onde cada vez mais disputamos espaços para nos expressarmos e sermos ouvidos, mas desaprendemos a perceber atentamente o outro.

Nesta quinta-feira (24), o curador Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, ao lado da equipe conceitual Alya Sebti, Anna Roberta Goetz, Thiago de Paula Souza, Keyna Eleison e Henriette Gallus, revelou em coletiva de imprensa os conceitos que guiarão a edição da Bienal de 2025. Sob o título “Nem todo viandante anda estradas – Da humanidade como prática”, o tema explora a ideia da “humanidade como verbo, uma prática viva”, refletindo sobre as assimetrias de poder que ainda perduram, e sobre como as culturas podem superar traumas e reimaginar as relações humanas.

Entendendo convergências entre os povos indígenas, pessoas africanas escravizadas e o Novo Mundo, que constituem a história do Brasil, a edição se propõe a transformar metaforicamente o Pavilhão da Bienal em um grande estuário – espaços de encontro entre águas doce e salgada. A ideia é poder criar possibilidades de coexistência por meio de escutas atentas e negociações entre seres e mundos distintos. “Este é um convite para imaginar um mundo no qual damos ênfase às nossas humanidades em um momento em que a humanidade está literalmente falhando conosco”, compartilha Bonaventure.

Em tempos de crise e caos, Bonaventure mira na utopia, compreendendo que a celebração das poéticas da vida tem o poder de restaurar o equilíbrio de um mundo desmoronando: “Essa Bienal nos convida a colocar a alegria e a beleza no centro das forças gravitacionais que mantêm nossos mundos em seus eixos… pois a alegria e a beleza são políticas”.

A equipe curatorial apresentou três eixos conceituais, também referidos como fragmentos, que estruturam a exposição. O primeiro reivindica o espaço e o tempo, propondo uma desaceleração e uma maior atenção aos detalhes e aos seres que compõem nosso ambiente. O segundo se dá na ideia de “se ver no reflexo do outro”, uma ressensibilização às necessidades coletivas, entendendo nossa alteridade: “eu não existo sem você e você não existe sem mim”, sintetiza Alya Sebti. Esse fragmento se baseia no poema “Une conscience en fleur pour autrui” [Uma consciência florescente para os outros], do poeta haitiano René Depestre, e explora a interconectividade das experiências. O terceiro eixo aborda os espaços de encontros, partindo da analogia dos estuários e do movimento recifense da década de 1990, chamado manguebit, que misturava elementos tradicionais da cultura regional, como o maracatu, com rock e hip-hop.

Além disso, a mostra, que tradicionalmente é realizada de setembro a dezembro, pela primeira vez, se estenderá até 11 janeiro de 2026 como parte da estratégia da nova gestão de Andrea Pinheiro e sua Diretoria de ampliar ainda mais o alcance do projeto.

Como parte da programação pública paralela ao evento, a equipe revelou uma série de encontros intitulados Invocações, que começarão ainda este ano. Explorando temas como escuta profunda, movimento corporal e improvisação, estas conversas, palestras, oficinas e performances acontecerão em Marrocos, Guadalupe, Tanzânia e Japão. As ações ainda contarão com uma parceria com a Casa do Povo em São Paulo, cujas programações ainda serão divulgadas.

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