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Como a maternidade impacta a vida de artistas contemporâneas?

Em depoimento ao ARTEQUEACONTECE, seis artistas revelaram como a maternidade influenciou seus trabalhos e carreiras

por Giovana Nacca
6 minuto(s)

Este artigo foi reeditado em 10 de maio de 2024.

Renata Felinto
O Grande Golpe (2021) de Renata Felinto

Como as mães conseguem conciliar suas duplas jornadas dentro do mercado de arte? Ainda hoje é quase impossível ser mãe e construir sua carreira profissional sem julgamentos alheios. No mundo artístico é ainda mais difícil. São diversas camadas que entram em questão aqui: a luta para que a profissão de artista seja legitimada, o desafio de se estabelecer no mercado, a desigualdade de gênero – quando não também a de raça – somadas ainda ao momento de gerar e criar um novo ser humano. 

Os obstáculos são muitos e o aprendizado ainda maior. Por isso, com a celebração do dia das mães chegando, convidamos artistas mães para compartilhar suas experiências, desafios e inspirações conosco. 

A arte como ferramenta para destacar e desafiar a desumanização das mães e as pressões da dupla jornada | com Thaís Basilio

“Eu tinha começado a pintar na época da faculdade, porém com a maternidade e todas as responsabilidades que ela traz, acabei adiando a pesquisa pictórica. No fundo, eu sentia que produzir arte era algo distante da minha realidade. Naquela época, eu não vislumbrava uma mulher negra, periférica, mãe solo e professora, tendo uma carreira artística de sucesso. 

Foi durante o isolamento social de 2020 que comecei a despertar novamente pela pintura. (…) Eu decidi que queria mais da vida. Decidi me reinventar. Nessa época eu já trabalhava muito, tinha muitas turmas nas escolas em que lecionava. Por dentro, eu me questionava se a vida era só aquilo: dar aula, arrumar a casa, cuidar da filha. São atividades muito dignas, mas quem tem um espírito desbravador, não se contenta. (…) Meu drama era, e ainda é, a intensa rotina de trabalho. E também a desumanização, objetificação do corpo negro, a exploração da nossa força braçal. (…) Um dia, conversando com uma amiga, questionei se éramos pessoas ou robôs. Ironizando minha própria vida e também o sistema de arte, dizendo que iria criar uma obra com o título ‘anatomia da mulher-máquina’. Rimos muito, e no final a zoação se tornou verdade. Foi a primeira obra de “corpo-máquina”, série na qual abordo em minha dissertação de mestrado, e que também foi o tema da minha primeira exposição individual.”

Thaís Basílio, Colo, 2022

É possível ter uma vida completa depois de ser mãe? | com Gretta Sarfaty

“Quando expus pela primeira vez, com um grupo de mais três amigas artistas, chamado GRAL, entre 1973 e 1974, eu já era mãe de três crianças. Um pouco mais tarde me divorciei e passei a me dividir entre Europa e Brasil, para poder estar com meus filhos e ao mesmo tempo poder avançar com meu trabalho como artista. Lá para o final dos anos 1980, quando morei em Nova York, eles também chegaram a ficar comigo por alguns períodos. Então conviviam com a dinâmica do ateliê e tudo mais. Foi bem complicado ter de lidar com as críticas que faziam, como se por ser mãe eu não pudesse me dedicar a outra coisa, devia ser exclusivamente mãe e acho que não é assim. Na época, meu trabalho estava associado ao feminismo, com o questionamento das pressões sobre a mulher e me viam como se estivesse negligenciando a maternidade. Mas, isso não era verdade, eu só estava tentando ter uma vida completa. Lembro-me das críticas externas e até de reclamações das crianças, como minha mais velha que chegou a me perguntar uma vez: ‘não tem como você ser uma mãe normal?’. Hoje, com 50 anos de carreira, sendo reconhecida e estudada por críticos e acadêmicos, expondo em museus importantes, parece que há uma reconciliação. Eles têm orgulho disso e entendem melhor. Minhas filhas também são mães, elas sabem como é!”

Gretta Sarfaty
Gretta Sarfaty na exposição individual “Retransformações de Gretta Sarfaty”, Auroras – São Paulo, 2022.

A maternidade e o processo criativo | com Brisa Noronha

“Vejo meu trabalho como uma pesquisa sobre delicadeza e sobre ordens instáveis. Estou interessada nas adaptações e reordenações necessárias para que a vida de um sistema (não necessariamente humano) se prolifere. Neste sentido, a maternidade afetou minha trajetória radicalmente, de modo que passei a compreender e a observar minha própria dinâmica de trabalho como um sistema que precisou se adaptar para sobreviver. Por exemplo, costumo trabalhar muito com argila, o que requer um tempo e espaço que não tive por mais de um ano. Então passei a experimentar o desenho e a pintura e isso acabou se refletindo depois no trabalho com argila. Precisei encontrar um novo equilíbrio, entender uma outra percepção do tempo e me deparei com uma nova espécie de sensibilidade. Minha pesquisa está muito relacionada a conceitos científicos da física e da química, um universo majoritariamente masculino e objetivo e, sendo assim, havia uma preocupação em manter um discurso que estivesse de acordo com este lugar. Depois que a Lina nasceu (hoje ela está com 4 anos), a pesquisa teórica foi se complementando com informações de outros universos de uma maneira muito sutil, quase imperceptível. A parte intuitiva e sensível do trabalho foi fortalecida, talvez seja a estrutura que sustenta a nova ordem, caótica, perturbadora e maravilhosa, que segue em constante formação após a maternidade.”

Brisa Noronha
Brisa Noronha

Impacto da maternidade na rotina | com Mônica Ventura

“A maternidade impactou diretamente nas minhas prioridades, minha rotina e metodologias de trabalho. Eu não tinha uma metodologia tão clara e objetiva de produção artística, com a maternidade isso se fez necessário. Eu ainda não consigo aplicar tudo a que me proponho para organizar as minhas produções. Então tenho que ajustar meus compromissos, sempre levando em consideração que o bebê é uma prioridade, especialmente nesse primeiro momento onde eu tenho maior protagonismo, por causa da amamentação, por exemplo.”

Mônica ventura
Mônica Ventura com seu filho Arjuna

Gerar um ser humano é um processo inspirador? | com Keila Sankofa

“Só é possível criar obras com a potência que crio, por ter ela ao meu lado. Minha filha é minha amiga, incentivadora, um grande fruto de poucas expectativas e muito amor. A natureza é a manifestação de Deus na terra. Se por algum motivo você desacreditar da existência de um deus, olhe o temporal que se forma, o vento e sua sonoridade, a leveza de um passarinho flutuando ou os olhos de um bebê que de dentro de você acabou de sair. A minha produção artística não é separada da minha vida, o trabalho é só a parte burocrática, o resto é existência.  Sou uma mulher negra e minha maternidade teve desamparo, solidão, precariedade e medo, mas ver minha reprodução em carne e sangue é sensacional, me trouxe um sentimento delicioso de amar e poder ser amada.” 

Keila Sankofa. Foto: Maria Dias, filha de Keila

As múltiplas camadas da maternidade enquanto tema de pesquisa artística | com Renata Felinto

“Eu sempre representei mulheres gestantes e outras abordagens que envolvem o gestar. Depois de entrar na maternidade o processo de criação foi modificado pela rotina com as crianças e acabou sendo incorporado aos assuntos que são minhas prioridades em relação à vida. Como minha vida tem sido o meu nutrir artístico, é evidente que muitas vezes o ser mãe solo aparece. Da delicadeza à violência, todas as dimensões dessa condição estão na minha obra, no meu pensar e fazer, desde o tempo para fazer, até como é, ou como finaliza. Para além da romantização e da idealização, as obras tratam de denúncia, porém também de amor, que se desenvolve a partir da organicidade da rotina diária.”

Renata Felinto
Benedita Nzinga, Renata Felinto e Francisco Madiba. Foto: Jaqueline Rodrigues

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