Em tempos de discursos autoritários e mecanismos de vigilância de tecnologias imperceptíveis cada vez mais presentes, resistir a formas de controle sobre corpos e identidades torna-se, muitas vezes, uma atitude tática necessária. Como se manter invisível para não desaparecer?
Depois da exposição Limiares, de Regina Silveira, que marcou a inauguração do novo espaço do Paço das Artes , a programação foi interrompida pela pandemia do coronavírus. Nesta sexta-feira, dia 19 de fevereiro, a instituição reabre com a mostra Táticas de Desaparecimento, curada por Nathalia Lavigne, marcando a retomada da Temporada de Projetos 2020.
“Comecei a estudar as possibilidades de produção artística no meu doutorado de uma forma bastante otimista, acreditava nesta nova circulação de imagens como algo que rompia certas estruturas do mercado, algo que facilitaria uma democratização do sistema. No entanto, ao longo dos anos, as redes ficaram mais controversas e passamos a olhá-las de forma mais crítica”, explica a curadora que viu no trabalho da iraniana-americana Maryam Monalisa Gharavi uma primeira forma deste exercício crítico. Em BIO, a artista aborda a questão da invisibilidade a partir de uma experiência na qual atualizou sua biografia no Twitter diariamente ao longo de um ano ao descobrir que essa era a única parte não-algorítmicamente calculada que armazena dados do usuário.
Aleta Valente, que explora a autorrepresentação como performance no Instagram, lida com questões semelhantes. A artista já foi alvo de ataques virtuais e dois de seus perfis foram removidos por excesso de denúncias. Tal episódio se relaciona à questão da censura a partir do controle algoritmo do que é considerado nudez ou fora dos parâmetros aceitos pela “comunidade”, como a rede define, atingindo trabalhos artísticos denunciados e removidos.
A questão da algoritmização do mundo e as infinitas possibilidades de construção de identidade no universo virtual fazem com que o desaparecimento seja uma tática de resistência. Este processo fica evidente nos trabalhos de Regina Parra a partir de imagens de câmeras de segurança. A artista também reproduz a própria imagem em obras que discutem o corpo como objeto de controle e violência. “Muitas imagens têm o mesmo formato vertical das câmeras e uma perspectiva de cima que lembra muito as representações street view e os drones – há, aqui, uma referência direta à estética da vigilância e do controle”, ressalta a curadora.
Em Identidade é Ficção, a artista Sallisa Rosa usa a paródia e a ironia ao tratar de um imaginário sobre culturas indígenas repleto de distorções e estereótipos. Partindo de sua experiência em contextos urbanos, ela se fotografa em situações que misturam indícios de outras eras e elementos descontextualizados, como um telefone celular prestes a ser usado como alimento ou um dinossauro artificial que remete a tempos primordiais. Já a instalação de Thiago Honório nasce de um projeto desenvolvido de forma colaborativa no Instagram: o artista começou a fazer uma coleção de luvas de inverno encontradas nas ruas. Ao postá-las na rede, começou a receber inúmeras fotos da mesma situação. Quase todas as vezes um único par é encontrado, evocando uma série de perguntas sobre as razões para terem sido deixadas e por quem. O objeto perdido e a conexão gerada a partir deste vestígio sugerem uma discussão sobre a impossibilidade de desaparecer sem deixar rastros.
Táticas de Desaparecimento
Data: 19 de fevereiro até 16 de maio
Local: Paço das Artes
Endereço: R. Albuquerque Lins, 1345 – Higienópolis