O apagar das luzes de 2022 foi marcado com uma última exposição que busca repensar as heranças da Semana de Arte Moderna de 1922. A ideia é mostrar obras finalizadas em 2022 que carregam promessas e dívidas, desejos e frustrações dos últimos cem anos. A expografia e iluminação são problemáticas. Mas a coletiva vale a pena por alguns artistas e trabalhos bastante potentes que abraçam questões de diferentes regiões do país, quebrando de cara a premissa de que o Brasil se resume a São Paulo.
Entre os destaques está Davi Jesus do Nascimento que nos transporta para a vida ribeirinha em Pirapora, às margens do Rio São Francisco, com suas carrancas (esculturas criadas para espanatar o mau-olhado das embarcações do rio) e cascas de tamarindo – um fruto que nos leva a fazer uma careta como as das carrancas. Davi Pontes hipnotiza com sua Conferência: racial ⇔ não local, fruto de sua pesquisa sobre coreografia, autodefesa e racialidade. Ele busca dialogar com Denise Ferreira da Silva e André Lepecki para questionar por que a morte de jovens negros não causa uma crítica ética e como o movimento está conectado com essa violência.
Outro destaque é a pesquisa afro-futurista de Keila Sankofa em “Óculos de Okoto”- uma perfomance que se desdobra em filme, foto e objeto para reiterar seu “corpo preto como tecnologia ancestral”. Keila exalta divindades africanas recuperando símbolos como os búzios – concha tão valioza que já foi usada como moeda de troca.
Vale ver, ainda, a video-instalação de Linga Acácio, “À beira do inferno”, que anuncia o adoecimento da Terra. A artista reforça a ideia de que a imunidade, seja da população ou do planeta, não é individual, e de que o preconceito e o medo da contaminação ( de HIV ou Covid) impedem a redução de cenários pandêmicos. O Coletivo Mato Grosso apresenta uma obra-manifesto questionando a ocupação das monoculturas e os efeitos desse modelo de produção na vida e cultura originária. O objetivo é rememorar as práticas tradicionais que estão ligadas aos alimentos como elemento indispensável à sobrevivência do homem e sua cultura.
São lindas, também, as séries “Rastros” e “Evocações” de Aislan Pankararu que pesquisa elementos microscópicos comuns aos povos originários fazendo com que todos se entendam. São membranas, teias e organelas celulares, que dialogam com a estética de seus ancestrais.
Juliana dos Santos fecha a visita combatendo a teoria de embranquecimento presente na obra “A redenção de Cam”, de Modesto Brocos – obra que defende a ideia da miscigenação como forma de erradicar a população negra do país. Em “Vingança de Cam” ela enfatica a luta dos movimentos negros, ao longo do séc. 20, para a manutenção da vida e identidade.