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Cinco pontos-chaves para entender a arte de Paulo Bruscky

Conheça mais sobre o artista pioneiro da arte postal que inaugura uma das mostras mais abrangentes de sua carreira em Recife

por Giovana Nacca
7 minuto(s)
Paulo Bruscky
Paulo Bruscky em seu ateliê em Recife, 2004. Foto: Leo Caldas

Você já se perguntou “o que é arte e para que serve?”? Paulo Roberto Barbosa Bruscky, um dos expoentes da arte conceitual no Brasil, também. Em ocasião da mais nova retrospectiva que o artista recifense recebe em sua cidade natal, na Galeria Marco Zero, te convidamos a mergulhar em suas criações para compreender seu significado na história da arte brasileira. A exposição reúne mais de 100 obras, incluindo algumas feitas especialmente para a ocasião e outras nunca antes exibidas, como a obra inédita AltoRetrato que empresta nome à mostra.

Bruscky já comentou em diversas entrevistas sobre seu processo irreverente e audacioso: “Faço o que me dá na telha”. Pioneiro na utilização de novos meios na arte contemporânea brasileira, Bruscky incorpora carimbos, selos postais, fotocópia e o que mais estiver próximo na sua rotina. Apesar de produzir desde o final da década de 1960, ainda hoje, o artista segue com a mente fervilhante e aberta para as novas mídias, o que lhe permitiu fazer experimentações com a arte digital. “Eu não tenho a menor metodologia de trabalho. Ninguém me acompanha porque eu não sou novela”.

Pensando na simbologia das mais de cinco décadas de produção ativa do artista, separamos cinco elementos-chave para você compreender mais sobre a vida e obra dele. 

1. Corpo e máquina

Bruscky sempre foi funcionário público e trabalhou em um hospital em Recife onde era responsável pela máquina xerox. O emprego lhe despertou o interesse por diversas experimentações com os equipamentos que o cercavam. É o caso da videoarte Xeroperformance (1980) criada a partir de uma sequência de mais de 1000 cópias feitas com o rosto do artista pressionado contra a máquina.

Aliás, foi justamente por causa da sua pesquisa com arte xerox que Bruscky recebeu uma bolsa da Guggenheim Foundation, em 1982, e viveu em Nova York onde teve contato com o grupo Fluxus, do qual ele foi membro. 

Outros trabalhos que derivaram de sua relação com o ambiente hospitalar investigam possíveis expressões poéticas oriundas de seus órgãos. Assim, com o aparelho de eletroencefalograma nasceu a série Registros (O meu cérebro desenha assim) e um exame de eletrocardiograma recebeu o nome de Sentimentos: um poema feito com o coração.

Paulo Bruscky
Sentimentos: um poema feito com o coração, 1976

2. Antiburguesia e antissistema

Antes mesmo de se formar em jornalismo, ainda na adolescência, Bruscky já publicava desenhos em jornais. Mas foi na década de 1970, ao lado de Daniel Santiago, que ele lançou a “Arte Desclassificada”, uma série de intervenções nos jornais, por meio de anúncios pagos, que defendiam situações absurdas ou impossíveis. Artearonimbo (1974), por exemplo, publicado no jornal brasileiro Diário de Pernambuco, convoca “um químico, um meteorologista ou qualquer pessoa capaz de colorir uma nuvem”. 

Paulo Bruscky
“Air art: Composition of clouds in the sky of New York” publicado no jornal The Village Voice – Nova Iorque / EUA, 1982

Por meio da ironia, o artista que já foi preso três vezes, subverteu os mecanismos de controle de mídias que estavam sob contexto ditatorial, criando um modo de circulação de uma poesia marginal. Foi também nessas circunstâncias que o artista inaugurou a “Arte Correio” no Brasil, uma proposta de considerar o próprio postal como objeto de arte e fazê-lo circular livremente fora do circuito restrito de arte.

Seu pioneirismo também foi responsável por colocar Recife no mapa da arte contemporânea. Em 1975 ele organizou a primeira exposição de Arte Correio do Brasil, na sua cidade natal. No ano seguinte, a segunda edição da mostra foi acusada de promover ideias subversivas e acabou sendo censurada pela polícia.

Ainda em 1976 o artista escreveu sobre o meio: “A Arte Correio surgiu numa época em que a comunicação, apesar da multiplicidade dos meios, tornou-se mais difícil, enquanto a arte oficial, cada vez mais, acha-se comprometida pela especulação do mercado capitalista, fugindo a toda uma realidade para beneficiar uns poucos: burgueses, marchands, críticos e a maioria das galerias que exploram os artistas de maneira insaciável. Na Arte Correio, a arte retoma suas principais funções: a informação, o protesto e a denúncia.”

3. Questionar a própria arte

Em uma das ocasiões em que estava detido, um agente federal lhe perguntou: “Se eu arranco um pedaço desse piso e o coloco em uma parede, isso é arte?”, Bruscky prontamente responde: “Se você coloca, não. Se eu coloco é que é arte.”

Paulo Bruscky
O que é arte? Para que serve?, 1978

Considerando que o próprio artista se posiciona contra a burguesia e contra o sistema, é claro que ele também está numa posição crítica ao sistema da própria arte. Em uma de suas obras mais famosas, o contestador nato caminhou pelas ruas de Recife com uma placa pendurada no pescoço onde se lê as perguntas que intitulam a performance: “O que é arte? Para que serve?”.

Em terras italianas, na 57ª Bienal de Veneza, o artista liderou uma fila de 30 carregadores que chegaram de barco e empilharam, em silêncio, dezenas de caixas em frente ao pavilhão central. As peças tinham selos postais e etiquetas com os dizeres “frágil”, “este lado para cima” e “Arte se Embala Como Se Quer”. Mas dentro? Nada. A performance buscou criticar a maneira como obras de arte contemporânea esvaziadas de significado circulam como troféus e símbolos de status, mais a serviço de uma indústria do que ao avanço do pensamento estético.

Confirmado é arte, 1977

Outros exemplos de obras que colocam em questão o conceito e o valor da arte são Hoje, arte é este comunicado e Confirmado: é arte, onde Bruscky satiriza o sistema e os profissionais que ditam o que pode ou não ser inserido no circuito. 

4. Poesia do cotidiano 

Além da incorporação das materialidades banais de seu dia a dia na investigação poética, é importante perceber a intervenção que o artista propõe nas rotinas da população comum. Desde suas obras nos jornais, esta característica demonstra uma fluidez entre arte e vida que explora o contexto da rotina urbana. Muitas de suas obras consistem em intervenções nas ruas de Recife e outras cidades globais, incluindo Amsterdã, Nova York e Paris. É o caso da obra Arte Pare (1973), uma  “reinauguração” da Ponte da Boa Vista, construída em 1633. O artista colocou uma enorme fita rosa cruzando a rua de uma ponta a outra, de maneira que o tráfego do centro da cidade ficasse congestionado por um bom tempo.

5. Palavra como elemento 

Seja nos jogos de trocadilhos para compor os títulos das obras – chave inseparável para compreensão delas –, seja nas frases estampadas em cartazes e objetos, ou ainda como elemento visual, a palavra por si só é um elemento intrínseco da produção de Bruscky. 

Na performance colaborativa Poesia Viva, de 1977, o artista, que é imerso na criação de poesias visuais, expandiu a linguagem para além do papel, dando literalmente corpo e vida para que a palavra circulasse pelo espaço. Como diz o próprio documento original da época, de autoria do artista e de Unhandeijara Lisboa, a proposta se firmou “para que a poesia não padeça nos cursos de letras, nem chegue a morrer nos suplementos literários”.

Paulo Bruscky
Atenção cuidado com o vão, 2008

Em 2008, quando o artista estava no Rio de Janeiro com um amigo, foi até a estação de metrô onde se deparou com o aviso no chão que inspirou a obra Atenção cuidado com o vão entre o trem e a palavra. A instalação se baseia no conceito do não-lugar, ou ainda do poder que a palavra tem de trazer à existência algo inconcebível. Segundo o próprio artista, a ideia surge do seu constante exercício de deseducação: “muito cedo aprendi a me deseducar esteticamente, para pensar em arte”.

E ainda em Palarva, obra emblemática de 1992 composta por uma caixa, tiras de revista e um ovo de pedra, Bruscky brinca com a ideia de nascimento da linguagem. 

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Serviço 

Alto-Retrato

Local: Galeria Marco Zero
Endereço: Avenida Domingos Ferreira, 3393, Boa Viagem – Recife
Data: Até dia 10 de dezembro de 2022
Funcionamento: De segunda a sexta, das 10h às 19h. Aos sábados, das 10h às 18h.
Ingresso: grátis. 

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