O ano era 1928 quando o jovem Roberto Burle Marx foi para Berlim com sua família para buscar tratamento para um problema que tinha em sua visão. Ele aproveitou para fazer uma imersão naquela cidade tão cheia de possibilidades e, especialmente, de jardins e museus botânicos.
Na época, passou a estudar pintura por lá, mas uma visita ao Botanischer Garten und Botanisches Museum Berlin, localizado em Dahlen, mudou sua forma de ver o mundo. Isso porque, acostumado a ver sempre as mesmas plantas comuns em jardins no sudeste do Brasil (onde nasceu e viveu até aquele momento), se deparou com várias espécies de plantas amazônicas no jardim em Berlim.
A surpresa foi grande não só por achar inusitado a presença de exemplares tão distintos ali mas também por ter visto pela primeira vez aquela diversidade toda de seu país de origem, ao qual não tinha tido acesso no próprio. A partir dali, sua paixão pelo paisagismo incluindo plantas com origem num Brasil amplo tomou forma.
Em um momento em que o pensamento antropofágico tomava conta da cena artística brasileira, com o modernismo que tinha nascido em 1922, é interessante (e um tanto engraçado) pensar que Burle Marx viu e absorveu na Europa um elemento de seu próprio país e incorporou à sua prática na volta às terras natais.
Nascido em São Paulo em 1909, Roberto Burle Marx era filho da musicista pernambucana Cecília Burle e Wilhelm Marx, um comerciante alemão que trabalhava no Brasil com exportação de couro. Nascido em Stuttgart, o pai de Roberto cresceu em Trier, que não por acaso nesta história é a cidade onde nasceu Karl Marx. O filósofo era primo do avô do artista.
Responsável por uma série de projetos de paisagismo importantíssimos no Brasil, como no Palácio do Itamaraty (Brasília), no Aterro do Flamengo (Rio de Janeiro) e no Complexo da Pampulha (Belo Horizonte), ele não pode ser reduzido apenas a um “paisagista”, embora seja a atividade pela qual é mais conhecido especialmente fora do Brasil. Mas, como dito anteriormente, aproveitou sua passagem por Berlim na juventude para estudar pintura. Na volta para o Brasil, até começou a estudar arquitetura, mas desistiu do curso para continuar estudando pintura!
Em texto para uma exposição recente do artista na Galeria Almeida e Dale, em São Paulo, o pesquisador Guilherme Wisnik pontua que “após uma fase figurativa inicial, sua pintura se dobrou à abstração pelo impulso do cubismo. Com o tempo, ganhou contornos mais expressivos e orgânicos, afinados talvez com Paul Klee e Joan Miró, mas exprimindo, ao mesmo tempo, uma visão particular da paisagem brasileira, atlântica e tropical”.
Mas não foi só como pintor que atuou nas artes plásticas. Marx foi um artista multidisciplinar que também percorreu os caminhos do desenho, da tapeçaria e da escultura, sem contar seu exímio trabalho como joalheiro. A música também foi um ponto importante em toda sua vida. Ele aprendeu o instrumento que a mãe dominava, o piano, desde pequeno e, para além disso, aprendeu canto. Com sua voz de timbre barítono, entoava canções de ópera, gênero que adorava. Também estudou música durante seu tempo na Alemanha e, ao que parece, seguir carreira como cantor foi algo que ele considerou em algum momento.
Em sua carreira, chegou até a fazer projetos de paisagismo para casamentos! E foi colaborador de grandes nomes da arquitetura modernista brasileira. Quando morou no Rio de Janeiro, foi vizinho de Lucio Costa, que o convidou para fazer o projeto do jardim de sua casa. Esse foi o primeiro trabalho de Roberto como paisagista.
No decorrer dos anos, trabalhou também com Rivo Levi, Affonso Eduardo Reidy e, claro. Oscar Niemeyer. Com Niemeyer e Lucio, inclusive, fez diversos projetos de jardins para a arquitetura e para o urbanismo de Brasília, fazendo parte do plano piloto da cidade. Trabalhos do artista podem ser encontrados em diversos locais do mundo, estando em mais de 20 países. Além disso, é um dos responsáveis pelo projeto de paisagismo e de botânica de Inhotim!
Ele foi autor de mais de 30 mil projetos, muitos na América Latina, passando por Peru, Venezuela, Argentina, Chile, Porto Rico, dentre outros. Também tem trabalhos nos Estados Unidos e em diversos locais na Europa, como Áustria, Alemanha, Bélgica, França e Itália. Até nos lados orientais da Terra (que é redonda!) ele esteve, tendo projetos no Japão e na Malásia.
Ainda para Wisnik, os trabalhos de Burle Marx nas áreas que atuou não se separam. Especialmente no que diz respeito à pintura e ao paisagismo. Segundo ele, essas duas facetas do artista “se alimentam e se fecundam mutuamente, numa espécie de movimento cíclico. Na base de ambas, está uma compreensão não naturalista do mundo”.
O artista faleceu em 1994, em seu sítio na Barra de Guaratiba no Rio de Janeiro, devido a um quadro de embolia pulmonar. O artista tratava um câncer na época, descoberto um ano antes durante uma cirurgia de vesícula. Não resta dúvidas de que Roberto Burle Marx se apaixonou por tudo com o que se envolveu, tendo se dedicado a todas as suas múltiplas tarefas com bastante vigor.