Val Souza (São Paulo, 1985) vive entre São Paulo e Salvador, o que já enuncia um traço importante de sua individualidade: a não-fixação, seu estado de impermanência que a coloca em lugar de trânsito. “A partir do momento que você se fixa em algum lugar, você é o lugar. Eu sou eu”, ela diz.
“Nós somos os sonhos dos nossos ancestrais, mas porque eu estou fazendo esse sonho acontecer e esse sonho não pára em mim, esse sonho continua para além de mim quando eu possibilito que as pessoas tenham vida, vida em abundância.”
Num dos recentes desdobramentos de sua pesquisa, Val elabora a obra “Lembrança brasileira: uma seleção pitoresca de imagens” (2021), um vídeo onde é exposto para a câmera pequenas imagens de pinturas de artistas viajantes franco-alemães que retratavam o Brasil no chamado “descobrimento”, alternado com imagens de pinturas do período modernista brasileiro, ambos sobrepondo uma mulher negra sentada ao fundo. A artista audaciosamente afirma: “O modernismo não existe. Há diversas correspondências do ponto de vista da forma no modo que ambos artistas retratam os corpos negros apesar da distância contextual”. A obra de Val Souza escancara a maneira como essas iconografias povoam o nosso imaginário social até os dias atuais tendo apenas atualizações.
Em seu ateliê temporário no Instituto Moreira Salles, onde estava desenvolvendo seu trabalho comissionado pela Bolsa de Fotografia ZUM/IMS, todas as paredes estavam repletas de colagens, naquilo que a artista chamou de estar em busca de Vênus. Partindo da própria imagem e depois para revistas, clássicas pinturas, fotografias, Val propôs realizar fotografias que problematizem os retratos de mulheres negras presentes em arquivos históricos. Produzindo autorretratos de flagrantes cotidianos e construindo uma espécie de diário íntimo, a Vênus, deslocada nas imagens de mulheres negras é revelada nas selfies de Val, que atualmente trabalha com um acumulo de quase 10 mil imagens. Essa incansável pesquisa frenética e viciada na imagem de mulheres negras, é também acompanhada de uma ponderação muito lúcida. A artista afirma:
“eu escolho ser positiva todos os dias, porque eu já sei o que é um ‘não’ positivo… Hoje eu prefiro entender que tem coisas que eu vou conseguir dar conta e tem coisas que não. Uma das coisas que não vou conseguir dar conta é acabar com o racismo. Eu vou morrer e o racismo vai continuar. E eu estou tranquila com isso, muito tranquila com isso. Porque não depende de mim.”
Conhecer a Val Souza é conhecer para além de uma artista talentosíssima, um ser humano que fala de amor, acredita de verdade nisso e tem muito para entregar. Ainda temos muito o que aprender com ela. “As pessoas que estão te seguindo, curtindo você, estão precisando um pouco de um respiro, de um carinho, e o que é que você está devolvendo a elas?”.