Com o lançamento do primeiro episódio da segunda temporada de “Ruptura”, a série da Apple TV+ retorna ao centro das discussões com sua premissa curiosa: funcionários de uma empresa participam voluntariamente de um experimento que separa completamente as memórias de suas vidas pessoal e profissional, impedindo qualquer cruzamento entre elas. Ambientada nos misteriosos corredores da Lumon Industries – uma corporação de tecnologia e biotecnologia com um propósito intencionalmente obscuro –, a produção combina narrativa e estética para trazer temas contemporâneos, como alienação, controle, desumanização em ambientes corporativos, os limites entre vida pessoal e profissional, e o impacto psicológico de viver sob sistemas de vigilância e manipulação, enquanto expõe as implicações de escolhas feitas pelos personagens sem plena compreensão de suas consequências.
A estética em “Ruptura” é outro ponto que chama bastante atenção em sua narrativa. Os corredores estéreis e labirínticos da empresa, junto com a atmosfera minimalista e opressiva, reforçam os temas da série e criam uma sensação constante de confinamento.
Pensando nessas discussões e construção visual, muitos artistas, desde contemporâneos até nomes como Edward Hopper, têm abordado esses temas de diferentes maneiras. Hopper, inclusive, foi amplamente citado após a primeira temporada por conta de sua estética semelhante aos sentimentos de isolamento e frieza presentes na série.
Se tivesse que trabalhar em um lugar igual ao da Lumon, qual dessas obras traduziria sua sensação no fim do dia?
Ana Maria Tavares, “Paisagem para Exit III”, 2016
A instalação, com espelhos e estruturas metálicas, cria um ambiente desorientador onde os reflexos confundem a percepção e sugerem o distanciamento típico de espaços corporativos. Essa dinâmica se mostra nos corredores estéreis da Lumon Industries, que ampliam a fragmentação das identidades dos personagens e sua busca por uma saída ilusória.
Tetsuya Ishida, “The Men On A Belt Conveyor”, 1996
Isolamento e alienação permeiam o trabalho de Tetsuya Ishida. Nesta obra, a tensão entre indivíduo e máquina surge em uma cena de controle e desumanização: figuras idênticas, deitadas em uma escada rolante, são manipuladas por trabalhadores com ferramentas, como produtos em uma linha de montagem, em um ambiente que anula qualquer autonomia.
Rachel Whiteread, “Untitled (Domestic)”, 2002
Nesta peça, uma escada parece emergir de um bloco sólido de concreto, desconectada de qualquer estrutura que indique um destino claro, criando uma sensação de suspensão, isolamento e inutilidade funcional. Com uma estética minimalista que transmite impotência, a obra simboliza a busca frustrada por liberdade e propósito.
Jenny Holzer, “Protect Me From What I Want”, 1982
A obra reflete os paradoxos do desejo em uma sociedade regida por consumo e controle, mostrando como aquilo que buscamos pode também nos aprisionar. Em “Ruptura”, isso aparece nos personagens que aderem ao procedimento da empresa atraídos por promessas, sem prever as consequências.
Nam June Paik, “The More, The Better”, 1988
Embora a instalação critique a sobrecarga de informações e o consumo tecnológico, sua monumentalidade e repetição visual também abordam o impacto psicológico de viver sob controle, algo que ressoa com as figuras centrais da série, presos a um sistema que os monitora e que os mantém alheios à realidade do que vivenciam.
Heather Dewey-Hagborg & Chelsea E. Manning, “Probably Chelsea”, 2017
O trabalho aborda questões de identidade, vigilância e privacidade em um mundo hiperconectado, criando esculturas faciais 3D a partir de DNA coletado em locais públicos que imaginam a aparência das pessoas a partir dessas informações genéticas. A obra questiona a invasão de privacidade, a ética dos dados biométricos e a desconexão entre o que somos e como somos percebidos.
Hasan Elahi, “Tracking Transience”, 2002
Após uma investigação equivocada do FBI, que o submeteu a meses de interrogatórios, Hasan Elahi documenta sua própria vida em resposta ao monitoramento governamental. Ele passou a expor voluntariamente os detalhes de sua rotina para ironizar a vigilância. Assim como os “externos” aceitam o procedimento de ruptura, Elahi questiona sobre como a escolha de se submeter ao controle também gera um paradoxo de autonomia.