9 reflexões contemporâneas sobre o tempo por meio da arte

O que é o tempo, de fato? Sem dúvida, nós compreendemos quando nos falam sobre ele. Mas quando tentamos explicá-lo, não sabemos mais. Esse é um paradoxo levantado por Santo…

por Giovana Nacca
9 minuto(s)

O que é o tempo, de fato? Sem dúvida, nós compreendemos quando nos falam sobre ele. Mas quando tentamos explicá-lo, não sabemos mais. Esse é um paradoxo levantado por Santo Agostinho.

Os gregos personificaram o tempo numa figura divina e severa chamada Chronos, enquanto Benjamin Franklin o associou diretamente ao dinheiro e Einstein descobriu sua relatividade. Na compreensão ocidental, o tempo é linear, numérico, ligado ao progresso e se expressa por uma suscetibilidade de eventos. Já em culturas de matriz africana, indígena ou asiática, o tempo pode assumir formas espirais, cíclicas ou até simultâneas. 

Finais e começos de ano são tradicionalmente períodos em que refletimos sobre a passagem do tempo, avaliamos o presente, as decisões passadas e as metas para o futuro, enquanto nos reajustamos ao compasso do calendário brasileiro e ao hiato entre janeiro e carnaval, quando de fato retomamos o ritmo intenso. Por isso, destacamos algumas obras de arte contemporânea que questionam e subvertem nossa compreensão sobre o (ou os) tempo(s) para você conhecer e se inspirar.

Laura Vinci
O tempo que escorre pelos dedos – ou pelos andares 

Em 1997, durante o evento Arte/Cidade 3, a paulistana Laura Vinci colocou cinquenta toneladas de areia branca no terceiro pavimento de um edifício abandonado. Segundo a própria artista, “a areia alude à passagem de milhões de anos em que bactérias erodiram as pedras, insinuando-se nas suas microfissuras”. Na laje entre o terceiro e segundo andar, Vinci também fez um furo de apenas doze milímetros, permitindo que a montanha de mais de três metros de altura se dissolvesse pelo chão e se refizesse gradativamente no andar abaixo, formando uma espécie de ampulheta monumental.

Roman Opalka
O tempo é uma dádiva ou sentença?

Roman Opalka foi um artista polonês nascido na França, que dedicou metade de sua vida registrando, diariamente, números em tinta branca sobre telas de fundo preto. Ele começou em 1965, escrevendo o algarismo “1” e deu sequência até o final de sua vida, em 2011, quando havia registrado o número 5.607.249. Ao longo do desenvolvimento do projeto, ele passou a usar 1% a mais de tinta branca no fundo de cada pintura subsequente, para que as obras fossem cada vez mais claras até chegar no “branco sobre branco”. Em paralelo, Opalka também começou a fazer autorretratos fotográficos e recitar os números em um gravador após a conclusão de cada tela. À medida em que os anos se passavam, e seus cabelos ficavam mais grisalhos, suas fotografias, em sintonia com as telas, também foram tendo cada vez menos contornos pretos. 

A obra, que se deu no limiar entre o mecânico e o sublime, e evidencia nossa condição de não apenas testemunhas, mas seres subjugados ao tempo, foi definida pelo artista como uma “imagem filosófica e espiritual da progressão do tempo, da vida e da morte”.

Matheus Ribs
O culto ao tempo

Matheus Ribs, Iroko, 2022

O artista e cientista político natural do Rio, apresenta na exposição “Um defeito de cor”, atualmente em cartaz no Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira, em Salvador, sua pintura chamada “Iroko”. O título refere-se ao Orixá do tempo, da ancestralidade e do destino. Em países africanos, Iroko vive na árvore que leva seu nome, mas no Brasil, onde essa árvore não é nativa, foi-lhe atribuída a grandiosa gameleira branca, também conhecida como o baobá brasileiro. A pintura de Ribs retrata a festa anual de Iroko, quando a faixa branca de morim que o entrelaça é trocada. 

Segundo a Nação de Congo-Angola, a história do Orixá é a de um homem agitado que habilidosamente executava diversas atividades simultaneamente, no entanto, ainda assim, ele lamentava a falta de tempo para realizar mais tarefas. Ao levar sua queixa para Oxalá, este lhe deu o tempo para administrar.

Christian Marclay
Sobre nem ver o tempo passar, enquanto assiste ao tempo

Christian Marclay, The Clock, 2010

“The Clock” (2010) é uma vídeo-instalação de 24h do artista suíço-americano Christian Marclay. Partindo de uma extensa pesquisa de filmes e séries populares, o artista compilou milhares de cenas de 1 minuto que continham a representação de relógios, e as ordenou cronologicamente. A obra, que recebeu o Leão de Ouro na 54ª Bienal de Veneza em 2011, também levava em conta o horário local de onde era instalada para exibição, fazendo do vídeo um relógio em tempo real.

Em 2017, quando “The Clock” esteve em exibição no Instituto Moreira Salles de São Paulo, a instituição esteve aberta inclusive durante as madrugadas de nove finais de semana, projetando a obra ininterruptamente para que os visitantes pudessem experimentá-la na íntegra. Os remanejamentos dos horários de funcionamento dos museus em pró da exibição do trabalho de Marclay, lhe adicionaram uma nova camada de interpretação poética, nos convidando a refletir sobre o tempo que dispomos às exposições e o nosso relacionamento com os espaços museológicos. 

Regina Vater
O tempo é soberano 

Regina Vater, Ovo Cósmico, 1980

Em “Ovo Cósmico” (1980), a artista natural do Rio, Regina Vater, faz uso da figura do ovo para criar uma poesia visual e filosófica, compreendendo o objeto como uma manifestação física do tempo. Certa vez, ela explicou: “É o ovo que nos fala de uma produção que não pode ser simplesmente acelerada, e que impõe seus próprios rituais”. 

Nesta versão da obra, o ovo se apresenta com a casca quebrada, nos instigando a imaginar se foi quebrado a partir de um fator externo, que interrompeu seu ciclo de gestação, ou a partir do próprio ser recém-originado.

Felix Gonzalez-Torres
Os tempos perfeitos e sua assincronicidade

Felix Gonzalez-Torres, Untitled (Perfect Lovers), 1991

“Untitled (Perfect Lovers)” é uma obra que o artista cubano Felix Gonzalez-Torres criou em 1991, depois que seu namorado Ross Laycock morreu em decorrência da AIDS. 

Em uma carta de 1988, um ano após o diagnóstico de Ross, Gonzalez-Torres escreve para seu companheiro: “Não tenha medo dos relógios, eles são o nosso tempo, o tempo tem sido tão generoso conosco. Nós imprimimos o tempo com o doce sabor da vitória. Conquistamos o destino ao nos encontrarmos em um certo momento em um certo espaço. Somos um produto do tempo, por isso damos crédito onde é devido: ao tempo. Estamos sincronizados, agora e para sempre. Eu te amo.”

A obra consiste na instalação de dois relógios, encostados um no outro, que de início são perfeitamente sincronizados, conectados por seus movimentos rítmicos. No entanto, eventualmente a dupla se desajusta devido ao desgaste das pilhas, criando uma analogia para nos lembrar que mesmo os amantes perfeitos acabarão por deixar de estar sincronizados e morrerão individualmente.

Denilson Baniwa
Questão de tempo 

Na 35ª edição da Bienal de São Paulo, na Praça das Bandeiras, parte externa do Pavilhão, o artista Denilson Baniwa apresentou a obra “Kaá” como parte do projeto “Kwema” [Amanhecer]. A obra consistia em uma enorme plantação de milho do Povo Guarani, estendida em aproximadamente 250 metros quadrados, para o público acompanhar seu crescimento. 

Nas palavras do artista, “amanhecer é entender que um novo dia surge após uma pesada noite, e que ainda podemos realizar o Pudali, festa tradicional onde se troca conhecimentos, alimentos e possibilidades de existência num mundo em constante transformação. Alimentando memória e corpo.”

Na estrutura de madeira que sustenta o plantio, há um caminho que conduz à um espaço circular, rodeado por uma arquibancada para o público poder sentar e ter momentos de troca. Ao centro deste círculo está uma grande pedra com inscrições em baixo relevo, que foi feita em colaboração com a pesquisadora Francineia Baniwa, para contar as histórias da cosmogonia do povo Baniwa e dos primeiros contatos com os brancos.

A princípio, a ideia era realizar uma colheita e, a partir dela, servir um almoço coletivo em conjunto com a professora Jerá Guarani e jovens da comunidade Guarani de São Paulo. Mas, o tempo impôs suas próprias vontades e limitações. 

On Kawara
Hoje é todo dia

Vista da instalação de On Kawara no Guggenheim,New York, 2015. Foto: David Heald

On Kawara é um artista conceitual japonês que catalogou seu cotidiano e rotinas num diário conceitual. Ele viveu em SoHo, na cidade de Nova York, a partir de 1965, e no ano seguinte, em 4 de janeiro, começou a fazer suas “pinturas de data” – uma série de telas monocromáticas em vermelho, azul ou cinza que enunciavam nada além do mês, dia e ano, pintados em branco. As regras para a criação deste projeto eram claras: a pintura deveria registrar o dia em que ela era realizada, e se não fosse concluída até meia-noite, o artista a destruía. 

Apesar das restrições impostas por ele mesmo, Kawara tinha um maior limite de caracteres para suas legendas. Algumas delas traziam anedotas pessoais, como “Esta tarde joguei ‘Monopoly’ com Joseph, Christine e Hiroko. Comemos muito espaguete” (1º de janeiro de 1968); outras, registros de eventos históricos, como o pouso da Apollo 11 na lua em 1969. Além disso, Kawara fez uma caixa de papelão para cada pintura, muitas delas forradas com um recorte de um jornal local com as notícias do dia em questão. 

Lenora de Barros
“Dar um tempo”, “perder tempo”, “ganhar tempo”… A dimensão física do tempo

Lenora de Barros, Ping Poems, 2023

No primeiro semestre de 2023, Lenora de Barros apresentou uma série de novos trabalhos que pautavam o tempo a partir de sua sonoridade e conceito na exposição “Não vejo a hora” na galeria Gomide&Co. No conjunto de obras apresentadas, o tempo ganhou dimensões físicas, com a artista o peneirando em “Que horas são?”, o segurando entre as mãos em “Previsão” e o refletindo em “Vida e morte”. 

Mas é em “Ping-Poems” que aquilo que parecia ser tão abstrato evidentemente se solidifica. A obra bem-humorada nos convida a brincarmos com tempo – representado por uma bolinha de pingue-pongue –, enquanto o vemos passar (de um lado para o outro). Ela é composta por uma mesa de tênis de mesa que tem uma metade do tampo espelhado e fixado na parede e, ao lado, quatro caixas guardam conjuntos de raquetes, redes e bolinhas, igualmente modificadas de acordo com seu propósito: uma raquete com um furo no centro “para atrasar o tempo”; uma raquete com rede no lugar do plano maciço “para parar o tempo”; raquetes, bolinha e rede cortadas ao meio “para dividir o tempo”; raquetes com um grande buraco “para ultrapassar o tempo”.

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