A artista Ana Beatriz de Almeida entrevista Amoako Boafo

Um dos responsáveis pelo boom dos artistas negros no mercado internacional, Boafo fala com exclusividade para o AQA

por Beta Germano
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Amoako Boafo

Há uma noção de realeza comum aos Ga que foge ao ocidente. Para os Ga, etnia que hábita a parte central do Accra, ser rei ou pertencer a familía real é principalmente tornar-se responsável por sua coletividade. Neste contexto, é possível dizer que Amoako Boafo é um dos nomes responsáveis por consolidar o que críticos têm chamado de Black Renaissence, no mercado de arte contemporanea. Ainda que sua produção seja muito mais extensa, de cinco anos para cá, ele protagonizou um dos episódios mais emblemáticos da revolução de mercado em torno deste novo movimento de “renascimento”. Em 2018 seu trabalho chegou ao conhecimento de Kehinde Wiley, um grande apoiador de artistas da afro-subsaharianos, este feito foi o suficiente para que o artista Americano enviasse pessoalmente e-mails para suas galerias mais próximas indicando o trabalho de Boafo. 

The Lemon Bathing Suit, de Amoako Boafo
The Lemon Bathing Suit, de Amoako Boafo

Algumas semanas depois a Robert Projects de Los Angeles, de Bennett Roberts, abria uma exposição de Amoako Boafo em seu espaço principal, no segundo dia todas as obras haviam sido vendidas. Daí em diante Amoako entrou no hall de nomes que lideram este momento da arte contemporanea como Lynette Yadon-Boakye, Henry Taylor, Njideka Akunyili Crosby entre outros. Entretanto um evento que estaria por vir mudaria não apenas a trajetória de Boafo, mas a de toda esta geração. 

Amoako Boafo
Amoako Boafo

O mercado tem sido agressivo em torno dos trabalhos desses artistas fazendo com que os valores saiam totalmente do controle de seus criadores. Afim de minimamente reverter esta situação, Amoako tentou comprar de volta uma obra sua num leilão, cujo lance original era de 40 a 65 mil dólares. Entretanto numa complexa jogada comercial, seus parceiros acabaram arrematando a obra intitulada The Lemon Bathing Suit, de 2019, por mais de 800 mil dólares. Amoako, claro, não conseguiu recuperar seu trabalho. 

Este movimento encadeou uma dinâmica em torno dos trabalhos do artista e seu valor financeiro, de maneira tão colateral que a tendência tomou conta de toda uma geração. De forma secundária, no mercado brasileiro acompanhamos os efeitos desta tendência na busca desesperada das galerias por artistas negros de 2020 para cá.

Numa passagem por Accra, em Ghana, no meio da temporada mais movimentada da cidade tive a sorte de ser convidada por Akworkor Thompson para um studio visit no novo espaço do artista. Original do bairro de Osu, no centro da cidade, Amoako está revertendo seu efeito sobre a arte contemporânea apoiando artistas locais a desenvolver pesquisas próprias e gerar visibilidade. 

No espaço há artistas já experientes como Stephen Allotey, escultor especializado em feições locais que agora desenvolve uma pesquisa autoral sobre beleza e corporeidade positiva. Aplerh-Doku Borlabi, um dos grandes nomes emergentes na arte nacional,com individuais em desenvolvimento para Estados Unidos e Europa, ele pesquisa a relação entre identidades das pessoas de sua comunidade e as nuances de tons de pele melaninados por meio da casca do coco – elemento simbólico para seu grupo étnico. Os artistas residentes no novo espaço contam ainda com Crystal Yayra Anthony. Aposta do próprio Amoako, a artista pesquisa a noção de intimidade e corporeidade no universo feminino africano. Há ainda Millicent Akwele, talvez uma das artistas mais jovens da residência, ela desenvolve sua pesquisa a partir da perspectiva dos retratos, usando o couro como suporte para construção da imagem.

Aplerh-Doku Borlabi
Aplerh-Doku Borlabi
Crystal Yayra Anthony
Crystal Yayra Anthony

Entre celebridades americanas como Eryka Badu, David Chappelle e produtores musicais, que tornam o espaço também uma zona de convergência entre artistas africanos e da diáspora. Entre velhos amigos e novos colecionaores, consegui alguns minutos com Amoako Boafo, que sem dúvida está reinventando na arte contemporânea o sentido da palavra Nana, que em Ga, seu grupo étnico , significa rei.

Amoako Boafo para a revista GQ
Amoako Boafo para a revista GQ

ANA: Bennett Roberts descreve sua primeira impressão quando viu sua pintura como “mágica”. Como você vê seu trabalho em relação a pensamentos e sentimentos geralmente não disponíveis na cultura ocidental?

AMOAKO:  Na África Ocidental convivemos com uma sensação de isolamento em como vemos nossa arte e como nos encaixamos no cânone artístico mais amplo. Muitos artistas aqui não tiveram a oportunidade de viajar para fora do continente (devido aos rígidos requisitos de visto de viagem para africanos que visitam países ocidentais). Portanto, a  maior parte do nosso trabalho é, portanto, específica para nossas próprias necessidades e nossas próprias experiências emocionais. Nossa compreensão da cultura ocidental geralmente está na forma de literatura, cinema e cultura popular. Apesar de crescermos muito conscientes da cultura ocidental, geralmente é apenas uma interpretação que foi filtrada para nós. Uma vez que tive a chance de viajar, estudar e construir relacionamentos de trabalho no oeste, comecei a entender melhor a cultura ocidental e as semelhanças e diferenças em minha prática e nas práticas de outros artistas não africanos.

ANA: Depois de ser alçado pelo mercado de arte contemporânea e lutar para manter a integridade de sua trajetória, você abriu um espaço artístico para artistas locais no lugar onde nasceu. Como vê a sua história pessoal e a sua prática artística em relação à filosofia do seu povo? De que povo é Amoako?

AMOAKO: O grupo étnico conhecido como Ga-Adangbe ocupa a maior parte de Accra e Osu, onde cresci. Mas “meu povo” são meus colegas artistas e criativos – essa é a minha tribo. Portanto, se você é um criativo e compartilha os desafios e experiências de se esforçar para ser criativo neste país, neste continente e na diáspora, eu me identifico com você, independentemente de onde você é. É quem me dá inspiração.

ANA: Há um enorme papel desempenhado pela pintura na produção do racismo, a começar pelos primeiros “gênios” renascentes como aqueles que criaram uma versão caucasiana de Jesus (um homem do Oriente Médio com origem egípcia). Que papel você sente que desempenha nessa narrativa histórica entre racismo e arte?

AMOAKO: Como artistas negros, sejam do continente ou da diáspora, nos sentimos excluídos da história da arte, até muito recentemente. A exclusão de nossa contribuição foi injusta. Então é claro que muitos de nós, embora não estejamos fazendo isso conscientemente, temos usado nossas práticas de trabalho para reformular lentamente a narrativa da qual fomos omitidos por tanto tempo.

ANA: Alguns dizem que o lance do leilão foi mais uma ação para lucrar com a arte africana, outros dizem que foi um esforço genuíno dos colecionadores de arte para mudar uma narrativa racista – como você vê sua própria jornada em relação a essas duas perspectivas?

AMOAKO: Não posso falar sobre as motivações do mercado secundário. Tudo o que posso dizer é que me concentro em meus objetivos como artista e em ter acesso a espaços onde posso criar, seja em casa ou quando estou viajando. Não posso ser o artista que quero ser se estiver excessivamente preocupado com as motivações de especuladores, colecionadores ou patronos genuínos no mercado secundário.

ANA: Como você conseguiu resgatar o controle do seu trabalho diante das especulações do mercado?

AMOAKO: Acho que ainda não recuperei o controle completo, mas reconheço que tive sorte ou talvez, ao continuar trabalhando duro em minha prática, tenha conseguido disponibilizar mais trabalhos no mercado primário com a ajuda de meu galerias. Isso, juntamente com a confiança em meus galeristas para colocar minhas pinturas em mais instituições que desejam compartilhar meu trabalho com o público em geral e clientes cuidadosamente avaliados, pode estar trabalhando a meu favor.

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