Foi durante a preparação para uma aula sobre indumentária brasileira no século 20, enquanto Carolina Casarin era professora de história do vestuário no Senai Cetiqt, no Rio, que a ideia do livro “O guarda-roupa modernista: o casal Tarsila e Oswald e a moda” surgiu. A obra
(R$ 109,90) sai agora pela Companhia das Letras e acompanha outras publicações da editora no centenário da Semana de 22.
“A imagem da Tarsila com um vestido xadrez na Galeria Percier [Paris] — já tinha sido dito que era do [estilista] Paul Poiret— me chamou a atenção, mas também causou certo estranhamento. Fui então atrás da documentação e de outros arquivos que dessem mais pistas da relação da Tarsila com a moda”, afirma a autora.
A primeira hipótese de Casarin, que é também editora, figurinista e pesquisadora, era que o casal Tarsiwald, como eram chamados por Mário, tivesse participado da produção do vestido que a artista usou em 1926 no vernissage de sua primeira exposição individual.
“Além disso, sempre esteve no horizonte da minha pesquisa aprofundar a análise da construção desses personagens, quais significados estavam mobilizando na elaboração de suas aparências. Agora, por exemplo, sabemos e temos registros de que Tarsila aparece de Paul Poiret na maioria das fotos que conhecemos dela.” E o que isso significa? É o que Casarin busca desvendar nas páginas de seu livro.
Casarin enfatiza, já no início, que a casa de alta-costura francesa capitaneada por Poiret era novidade no Brasil dos anos 1920, mas, de certa forma, démodé na França do mesmo período. O estilista estava ligado às vanguardas e era colecionador de obras de arte. “Expressa em termos de brasilidade, a semântica do ‘exótico’ na estética moderna se afina às criações da maison Poiret”, escreve.
O projeto nasceu de sua tese de doutorado em artes visuais na UFRJ, realizada entre 2014 e 2020, período em que reuniu e cruzou documentos, peças de roupa, fotografias, pinturas, obras literárias e correspondências espalhados em arquivos, bibliotecas, centros de documentação e reservas técnicas no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Campinas, em Paris e em Londres.
Em 2014, no início de seu doutorado, sua ideia era que a narrativa fosse guiada por mais um personagem: Mário de Andrade. As pesquisas que realizou em Paris, no entanto, foram cruciais para definir o casal e sua relação com a moda como fio condutor.
“(…) As roupas contribuíram para o projeto artístico de elaboração de uma estética moderna e nacional, e a ideia de ‘brasilidade modernista’ se inscreveu na aparência e nos trajes do casal, seja pela atenção que eles dedicaram ao vestuário e à moda, seja pela maneira como os registros de suas roupas foram assimilados pelas narrativas sobre o modernismo de 1922”, explica na apresentação.
Os trajes evocavam o modernismo da mesma forma que os trabalhos de Tarsila e Oswald eram influenciados pela moda.
Em 1925, o poema Atelier, de Oswald, cujo primeiro verso diz “Caipirinha vestida por Poiret”, parece ser um prenúncio da Tarsila com o vestido xadrez na Galeria Percier no ano seguinte. “Quando analisamos a construção da aparência como se analisássemos uma obra de arte, buscando referências e significados, encontramos casos em que a evocação do modernismo é mais patente, como nesse exemplo. Parece que estão projetando a imagem da caipirinha vestida pelo estilista, como se fosse a materialização do verso. Por outro lado, o próprio Oswald evoca a moda em sua produção poética”, diz.
O mesmo ocorre quando Tarsila escolhe o manteau rouge para fazer seu autorretrato em 1923. “Manto esse que talvez seja do [estilista] Jean Patou, ainda não temos a documentação que comprove. Esse quadro, que confunde corpo, fundo e roupa, também é uma forma de inserir a moda na construção do modernismo.”