Sob o título Coreografia do Impossível e curadoria de Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel, a 35ª Bienal de São Paulo abrirá, em setembro deste ano, apresentando uma potente seleção de artistas. Agora, com 120 nomes confirmados, a lista reforça o compromisso da edição em ecoar as vozes das diásporas e de povos originários, ampliando o diálogo local e internacional.
Entendendo ideias de justiça, liberdade e igualdade como realizações impossíveis, a ideia de “coreografia” aparece, aqui, como sugestão de desenhos – que são, como numa dança, criados por meio da troca com o outro, em constante diálogo e negociação – ou elaboração de processos de ruptura para sobrevivência em mundos que estão colapsando.
Para desenhar sequências que criam possibilidades, é preciso começar, portanto, olhar para imaginações de tudo e todos que rompem com a visão colonizadora, branca, heteronormativa e etnocêntrica predominante até então. Diante de um mundo marcado por crises – climáticas, humanitárias, sociais, económicas e sanitárias –, a primeira pergunta lançada pelo grupo curatorial foi: “Como corpos em movimento são capazes de coreografar o possível, dentro do impossível?”. O título da exposição não revela um tema, mas sugere um experimento, um convite às imaginações radicais a respeito do desconhecido para compreender as múltiplas estratégias criadas para imaginar, sobreviver ou escapar. São estratégias que podem ser desenvolvidas em dois sentidos: de um lado são práticas que desafiam, resistem ou recusam esses sistemas globais de violência; do outro, especulam e antecipam o que está por vir.
Tempo espiral
O conceito de antecipação, aqui, é essencial, pois esta Bienal assume um tempo descontínuo, onde corpos podem transitar em diferentes velocidades e dimensões. “A noção de tempo espiralar – concepção comum em sociedades não-brancas ou ocidentais – é primordial para a desmarcação da ideia de passado, presente e futuro como categorias consecutivas ou progressivas ou lineares”, explica Menezes. “Essa discussão é fundamental para compreendermos que não estamos vivendo num mundo em colapso, mas que vários mundos vêm colapsando em diferentes lugares e momentos do que chamamos de história”. Por isso, a curadoria nos traz essa ideia do tempo que volta em si mesmo, que espirala, que bailarina. E questiona: Quais são as estratégias que já vêm sendo realizadas para enfrentar mundos que já vêm terminando há muito tempo; mundos que já se extinguiram e estão em ruínas; mundos que seguem sendo destruídos?
Fora do eixo
Torna-se cada vez mais necessário, para sobreviver, encontrar ritmos, ferramentas, estratégias, tecnologias e procedimentos (simbólicos, econômicos e jurídicos) para elaborar movimentos de ruptura, que nascem de elementos e ações de resiliência e enfrentamento. Saber parar, recuar, avançar, acelerar ou, às vezes, andar trás, como Curupira ou como a dupla Pauline Boudry e Renate Lorenz, que criou, para o pavilhão suíço da 58th Bienal de Veneza, em 2019, a video-instalação Moving Backwards.
Partindo da sensação de ser empurrado para trás, um reflexo das políticas reacionárias que cresceram no mundo inteiro, a dupla criou um ambiente imersivo que lembra uma casa noturna. E propôs, aos performers, que fizessem movimentos para trás ou retrógrados, combinando gestos pós-modernos e dança urbana com técnicas de guerrilha e elementos da cultura underground queer, como dispositivo de resistência.
Negociando representação
A ruptura do pensamento moderno liberal é outro ponto crucial para esta dança acontecer. Afinal, o próprio conceito de liberdade está intrinsecamente ligado a este modo de pensar e, nele, encontramos um conflito entre os conceitos liberdade e ameaça. Por isso, a curadoria sugere uma reflexão sobre como movimentos são regulados e como eles regulam também o nosso imaginário social. A artista Torkwase Dyson olha para os deslocamentos passados, os processos migratórios forçados, como uma geografia do movimento que se expressa no que ela chama de “pensamento composicional negro”: ela cria exercícios de abstração que pode trazer as características necessárias para produzir esse sistema de fuga e de escape.
Este é apenas um dos exemplos das obras da mostra que buscam fugir de uma norma tema-figura como questionamento, também, dos sistemas de representação e categorização do mundo. “São obras que estão tentando escapar desse sistema também de captura que sempre aproximam, por exemplo, negro à violência, que aproxima determinados modos de compor a determinado tipo de pessoa. Tratam-se de estratégias políticas, mas sobretudo estéticas”, explica Lima. O trabalho é também sobre uma negociação de nossas representações – tema presente em outras obras da mostra com as quais artistas como Leilah Weinraub e Tadáskía, por exemplo, contestam o mundo binário ou heteronormativo. “A História da Arte, como conhecemos, já não consegue abarcar nem como ‘diferente’ e nem como ‘outro'”, explica Menezes.
Dançar, coreografar e descobrir regras juntos
“Na língua inglesa, existe uma diferença entre as palavras play e game. Game é um jogo realizado respeitando regras pré-estabelecidas, mas em play as crianças vão se descobrindo e definindo as regras continuamente”, explica Borja-Villel sobre o processo de elaboração coletiva da exposição sem tema, seção, núcleo ou qualquer tipo de sistematização, classificação ou catalogação. O coletivo lembra que o norte tem uma obsessão em categorizar, marcar, elaborar conceitos e justificativa para tudo. Mas que é importante romper com isso também, criando um espaço queer, que não está definido, que está sempre em movimento.
Com a ideia de que só aprendemos juntos, de que só é possível dançar com outros. E de que, mesmo sozinhos, nossa existência só acontece em referência por um espaço e tempo, a curadoria irá propor também uma expografia e circulação fluida, sem demarcação de fronteiras, direções ou ritmos.
Cada um irá, portanto, experienciar a Bienal de São Paulo de seu jeito – o que possibilitará diferentes leituras e articulações. Um processo numa outra palavra coreográfico, que fala de sintonia entre as obras e artistas e as questões que as suas obras podem levantar para você de um modo absolutamente distinto, que é o que abordam, tocam, sensibilizam a minha presença no mundo. “É um desafio se deslocar das categorias de pensamento. Por isso, a ideia de que a construção de epistemologia que se desloca dessa temporalidade ocidental e que, portanto, é universal e que, portanto, se coloca como categórica e única, acaba por criar uma ideia de subestimação do público, como se o público só fosse capaz de entender ou destruir por meio do pensamento categórico – modo como, por exemplo, a enciclopédia se organiza e que, portanto, os próprios museus se organizam” completam. As obras se colocam em relações, em conflitos e tensões, criando esses consensos e dissensos.
Seleção de artistas | Lista completa:
Confira, abaixo, os nomes que vão compôr a edição:
- Ahlam Shibli
- Aida Harika Yanomami, Edmar Tokorino Yanomami e Roseane Yariana Yanomami
- Aline Motta*
- Amador e Jr. Segurança Patrimonial Ltda.
- Amos Gitai
- Ana Pi e Taata Kwa Nkisi Mutá Imê*
- Anna Boghiguian*
- Anne-Marie Schneider
- Archivo de la Memoria Trans (AMT)
- Arthur Bispo do Rosário
- Aurora Cursino
- Ayrson Heráclito e Tiganá Santana*
- Benvenuto Chavajay
- Bouchra Ouizguen*
- Cabello/Carceller
- Carlos Bunga
- Carmézia Emiliano
- Castiel Vitorino Brasileiro*
- Ceija Stojka
- Charles White
- Citra Sasmita
- Colectivo Ayllu
- Cozinha Ocupação 9 de Julho
- Daniel Lie*
- Daniel Lind-Ramos
- Davi Pontes e Wallace Ferreira
- Dayanita Singh*
- Deborah Anzinger*
- Denilson Baniwa*
- Denise Ferreira da Silva
- Diego Araúja e Laís Machado
- Duane Linklater*
- Edgar Calel
- Elda Cerrato*
- Elena Asins
- Elizabeth Catlett*
- Ellen Gallagher* e Edgar Cleijne
- Emanoel Araújo
- Eustáquio Neves
- flo6x8
- Francisco Toledo
- Frente 3 de Fevereiro*
- Gabriel Gentil Tukano*
- George Herriman
- Geraldine Javier*
- Grupo de Investigación en Arte y Política (GIAP)
- Gloria Anzaldúa
- Guadalupe Maravilla
- Ibrahim Mahama
- Igshaan Adams*
- Ilze Wolff
- Inaicyra Falcão*
- Januário Jano
- Jesús Ruiz Durand
- John Woodrow Wilson
- Jorge Ribalta
- José Guadalupe Posada
- Juan van der Hamen y León
- Judith Scott
- Julien Creuzet*
- Kamal Aljafari
- Kapwani Kiwanga
- Katherine Dunham
- Kidlat Tahimik
- Leilah Weinraub*
- Leopoldo Méndez
- Luana Vitra
- Luiz de Abreu*
- MAHKU
- Malinche
- Manuel Chavajay*
- Margaret Taylor Goss Burroughs
- Marilyn Boror Bor*
- Marlon Riggs
- Maya Deren
- M’barek Bouhchichi
- Melchor María Mercado
- Morzaniel Ɨramari
- Mounira Al-Solh*
- Nadal Walcott*
- Nadir Bouhmouch e Soumeya Ait Ahmed*
- Nikau Hindin
- Niño de Elche*
- Nontsikelelo Mutiti*
- Patricia Gómez e María Jesús González
- Pauline Boudry e Renate Lorenz*
- Philip Rizk*
- Quilombo Cafundó
- Raquel Lima
- Ricardo Aleixo
- Rolando Castellón*
- Rommulo Vieira Conceição
- Rosa Gauditano
- Rosana Paulino*
- Rubem Valentim
- Rubiane Maia
- Sammy Baloji*
- Santu Mofokeng*
- Sarah Maldoror*
- Sauna Lésbica por Malu Avelar com Ana Paula Mathias, Anna Turra, Bárbara Esmenia e Marta Supernova
- Senga Nengudi
- Sidney Amaral
- Simone Leigh
- Sônia Gomes
- stanley brouwn*
- Stella do Patrocínio
- Tadáskía*
- Taller 4 Rojo
- Taller NN
- Tejal Shah*
- The Living and the Dead Ensemble*
- Torkwase Dyson*
- Trinh T. Minh-Ha*
- Ubirajara Ferreira Braga
- Ventura Profana
- Wifredo Lam*
- Will Rawls
- Xica Manicongo
- Yto Barrada
- Zumví Arquivo Afro Fotográfico
Os nomes seguidos por * já foram anunciados na primeira lista parcial.
Serviço:
35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível
Curadoria: Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel
Data: De 6 de setembro até 10 dezembro de 2023
Funcionamento: ter, qua, sex, dom: 10h – 19h (última entrada: 18h30); qui e sáb: 10h – 21h (última entrada: 20h30)
Local: Parque Ibirapuera · Portão 3 – Pavilhão Ciccillo Matarazzo
Entrada gratuita