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Maria Martins, uma mulher dos trópicos

Entenda porque a vida e obra de Maria Martins foram revolucionárias e ainda são inspiradoras

por Beta Germano
Maria Martins
Maria Martins

Se existe alguma artista brasileira em que podemos aplicar a expressão clichê “uma mulher à frente de seu tempo”, esta é Maria Martins. Aos 21 anos Maria casou-se com o historiador Octávio Tarquínio de Sousa. Dez anos depois, em 1925, separou-se quebrando os primeiros paradigmas da época.  Em seguida, casou-se com o diplomata Carlos Martins Pereira e Sousa – amigo de infância de Getúlio Vargas que foi embaixador do Brasil antes e depois da Segunda Guerra Mundial. Por isso, o casal morou no Japão, na Europa e nos EUA. Maria desenvolveu, então, uma dupla identidade: de dia dedicava-se à escultura, tendo transformado o andar superior de sua residência em ateliê, de noite descia para assumir o papel de anfitriã de recepções sociais variadas, acolhendo autoridades e convidados importantes na embaixada. 

Na França, ela aprendeu a esculpir na madeira; no Japão pesquisou formas de modelar terracota, mármore e cera; e na Bélgica, em 1939, quando já tinha 45 anos,  começou a trabalhar com o bronze – material pelo qual ficou conhecida.  Era 1941 quando sua primeira individual abriu na Corcoran Gallery, em Washington. Na capa do catálogo havia o seu perfil desenhado por Cândido Portinari, que estava na cidade para desenhar murais da biblioteca do Congresso. No ano seguinte, foi a vez de conquistar os críticos de Nova Iorque, com a individual na Valentine Gallery. A obra descrita como “pagã e violenta” foi vendida para o Metropolitan Museum of Art, Philadelphia Museum of Art e Brooklyn Museum. Foi também em 1942 que Maria esculpiu “Não te esqueças que venho dos trópicos”: uma mulher deitada de costas, com os braços estendidos, as mãos transformadas em garras e a cabeça tombada para trás e invisível. Os seios são a única indicação do sexto, mas, da sua área pélvica, cinco formas flamejantes se projetam, talvez simbolizando os cinco filhos deu à luz (dois dos quais morreram recém nascidos). 

A soma dos nossos dias
A soma dos nossos dias

Apesar do sucesso internacional ela foi rejeitada pela crítica brasileira que estava com uma fixação: buscar uma linguagem universal para (ironicamente) internacionalizar a arte brasileira com o objetivo de “vender” uma nação em “progresso”. Maria foi sufocada pela hegemonia abstrata em solo nacional  e Mário Pedrosa descreveu sua obra como “romântica” demais, com “visões perversas sobre o corpo”. Tratava-se, para o crítico, de “imagens ambíguas”. Mal sabia ele que essa ambiguidade é o grande triunfo de Maria.

Foi nessa época também que ela começou a fazer uma série de esculturas que pretendia representar vários deuses e deusas da mitologia indígena que teriam habitado a bacia do rio Amazonas – projeto intitulado Amazonia.  Maria ficou conhecida por dar vida a seres retirados de lendas amazônicas, figuras contorcidas, sinuosas, sensuais e selvagens. Esculpia amores impossíveis e uma sensualidade nada passiva. Pelo contrário, a figura feminina, na obra de Maria, devora o parceiro. É sobre pele e carnalidade.  A natureza também não aparecia dominada pela civilização, mas como símbolo de potência e desejo. Os personagens de Maria são selvagens e intensos, E isso,claro, incomodou a elite patriarcal e tradicional brasileira. 

However
However
A mulher e sua sombra
A mulher e sua sombra

Animais como a cobra e a aranha saem do universo mitológico das lendas amazônicas para encarnar simbologias relacionadas à vida da artista – que era, diga-se de passagem, bastante agitada. Dizem que ela e Carlos tinham um casamento aberto e ela não dispensava uma soirée animada em Nova York. Vale lembrar: Nesse momento, nos anos 1950 e 1960, a cidade vivia em clima de efervescência artística em virtude da emigração de vários artistas europeus que ali se estabeleceram para fugir da Segunda Guerra Mundial. Não à toa, “colecionou” amantes.  Entre eles, o pintor holandês Piet Mondrian e  o francês Marcel Duchamp. Com este último, ela teve um longo love affair: a capa do catálogo Le Surréalisme, de 1947, foi criada a partir do molde do seio de Maria e ela posou para a última, secreta e enigimática obra do artista, Étant donnés, de 1946-1966. A instalação, que faz diálogo direto com a célebre tela L’Origine du monde, pintada por Gustave Courbet em 1866, foi construída durante 20 em segredo e só revelada depois da morte do artista, em 1968. 

O impossível, Maria Martins
O impossível, Maria Martins

Os surrealistas

A ênfase na força do selvagem e do desejo chama a atenção do francês André Breton, que criou o manifesto surrealista, que a convidou para entrar no grupo. É curioso notar que o movimento ligado ao inconsciente – o que revelaria a nossa verdadeira natureza e se faz presente nas imagens fantásticas dos sonhos – era extremamente masculino e machista, pois representavam o corpo da mulher objetificado. Mas André Breton, líder da turma, não economiza elogios à Maria. Para ele, está em sua obra “a porta imensa apenas entreaberta sobre as regiões virgens onde as forças intocadas, completamente novas, se escondem. (…) As angústias, as tentações, as agitações, mas também as auroras, as felicidades e mesmo de vez em quando as puras delícias. Eis o que Maria, em bronze, soube captar como ninguém em sua fonte primitiva”.

Feminina e feminista

Embora achasse a classificação reducionista, Louise Bourgeois pode ser considerada a primeira artista feminista, por explorar a sexualidade ainda nos anos 1950, período dominado por homens e telas abstratas,  e pesquisar o universo doméstico e retratar mulheres como figuras poderosas, inteligentes e maternais. Sua famosa aranha era símbolo dessa nova mulher e uma representação da própria mãe da artista. É uma fêmea canibal que devora o macho após a cópula. Ambas artistas são extremamente femininas e, ao mesmo tempo, mulheres fálicas. Maria fez uma escultura de uma aranha pouco antes de Louise. Portanto, é ela quem abre o caminho para a discussão da sexualidade no Brasil.

Cobra Grande
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Sem eco
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O oitavo véu
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Saudade
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Prometheus
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Orpheus
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