A 21ª edição da SP–Arte, no Pavilhão da Bienal do Parque Ibirapuera, devolveu à cidade de São Paulo o frenesi típico de uma grande feira de arte, mesmo em um ano de cautela econômica e menor presença de galerias internacionais. Nesta edição o evento chegou envolto em expectativas ambíguas: de um lado, a esperança de um mercado que começava a retomar o fôlego após anos de adaptações; de outro, um ambiente externo turbulento, marcado por tensões comerciais internacionais. Houve sim movimento acalorado nos corredores, cliques e brindes de abertura, mas quem circulou pela feira percebeu conversas mais longas e reservas feitas com cautela.
A questão do “tarifaço” anunciado pelo governo Trump – que já vinha sendo debatido nos dias anteriores à feira – colaborou para o clima de insegurança entre galeristas e colecionadores, temerosos de que o aumento de taxas de importação e a possível escalada de tensões comerciais pudessem frear ainda mais as compras no segmento de arte. Muitos compradores internacionais preferiram agir com moderação: analisaram com mais calma possíveis aquisições e evitaram transações de alto risco – sobretudo para obras com valores acima de R$500 mil. Além disso, no contexto local, a ausência de isenções fiscais para a importação de obras em São Paulo também afetou a presença de galerias estrangeiras, o que reduziu um pouco o fluxo de transações internacionais.
Ainda que existam relatos de negócios vultosos – como a possível venda de um mural de Di Cavalcanti por cerca de R$8 milhões, ou transações envolvendo mestres modernistas e contemporâneos reconhecidos –, a maior parte das galerias operou em um regime de paciência, onde a maioria das vendas se concentrou em faixas de preços mais modestas.

Um dos focos de atenção nesta edição foi o espaço cada vez maior para artistas de fora do eixo Rio-São Paulo – de regiões como Belo Horizonte, Salvador, Recife ou Curitiba –, bem como para nomes do exterior que dialogam com questões brasileiras. A Galeria Marco Zero, por exemplo, chamou atenção ao apresentar, já em ambiente de mercado secundário, obras de Rayana Rayo, jovem artista recifense que, com desenvoltura, exibe seu universo imagético na pintura. A procura por suas telas ilustra bem a disposição de colecionadores em investir em criações contemporâneas que reflitam, de alguma forma, o contexto social e cultural do Brasil atual.
Em outro extremo, nomes históricos continuaram a atrair valores mais expressivos. A Danielian, por exemplo, trouxe peças de Candido Portinari, Djanira e Antônio Dias; mas o grande destaque foi a venda de um raro Nicolas-Antoine Taunay, “Aqueduto do Rio de Janeiro (c. 1816–17)”, que não se via em público havia mais de um século (o preço final não foi oficialmente divulgado). Outro acervo que atraiu grande visibilidade foi o da Galatea, que simulou um apartamento para apresentar obras em diálogo com móveis de design. Lá, um grande mural de Emiliano Di Cavalcanti teria sido vendido por valor que rondava R$8 milhões, consolidando a galeria como uma das mais bem-sucedidas da feira, ao lado de negociações envolvendo Allan Weber, Rubem Valentim e outros.
A Gomide&Co também surpreendeu ao exibir, entre outras peças, a escultura “Femme” (2004), de Louise Bourgeois, fugindo um pouco da linha curatorial habitual. Ainda assim, a galeria permaneceu fiel às suas raízes ao destacar, por exemplo, cerâmicas de Julia Isidrez, cujas peças foram todas vendidas, além de um Volpi negociado de maneira discreta, porém eficiente.
Em termos de linguagem moderna e contemporânea, a Almeida & Dale manteve dois estandes. Em um deles, obras na faixa de US$5 mil a US$50 mil; no outro, peças de altíssimo valor, com nomes como Cícero Dias e Amílcar de Castro, além de uma escultura em grande escala de Damien Hirst, mencionada a R$3,5 milhões. A presença de um Hirst em mármore no Brasil foi uma surpresa para muitos visitantes – uma demonstração do diálogo cosmopolita que a feira almeja.
Em outro ponto do Pavilhão, a Mendes Wood DM relatou vendas no primeiro dia, com destaque para obras de Lucas Arruda, Sonia Gomes e do artista guatemalteco Edgar Calel, além de outras negociações. A galeria, cujo histórico exibe uma forte atuação internacional, teve que reabastecer seu estande após boa parte do acervo inicial encontrar compradores. Relatos dos bastidores indicaram que o ritmo das vendas motivou ajustes rápidos no layout do estande, sinal de que, embora não houvesse uma enxurrada de aquisições milionárias, o fluxo de negociações ao longo da feira foi consistente.
A Superfície, por sua vez, trouxe obras pouco expostas de Rubens Gerchman, além de duas guaches de Maria Leontina que foram vendidas. Já a Paulo Darzé vendeu pinturas de Amadeo Luciano Lorenzato na faixa de R$300 mil a R$450 mil e se beneficiou do interesse crescente por artistas fora do eixo, confirmando que há sede de redescobrir produções regionais. Essa tendência foi reforçada por galerias como Súr, que apresentaram criações afro-brasileiras e afro-uruguaias, incluindo uma tapeçaria de Madalena dos Santos Reinbolt – atualmente com uma retrospectiva no American Folk Art Museum, em Nova York – com valor em torno de US$180 mil, demonstrando a boa receptividade de obras têxteis e de narrativas contra-coloniais.
No meio dessa variedade, a Baró se destacou ao mesclar pinturas, instalações e performances, vendendo, por exemplo, três obras da japonesa Ayako Rokkaku, que realizou uma ação ao vivo. Enquanto isso, a Fortes D’Aloia & Gabriel exibiu cerca de 35 artistas, com nomes que vão de Ernesto Neto a Márcia Falcão e Erika Verzutti, vendendo mais de 70% do estande ainda nos primeiros dias. A Nara Roesler, contando com nomes como Tomie Ohtake, Jim Lambie e Abraham Palatnik, também reportou ótima recepção e aquisições em torno de US$36 mil a US$180 mil. Ainda, a estreante paulistana Yehudi Hollander-Pappi atraiu olhares curiosos com uma instalação de vídeo e pinturas expandidas, incluindo uma obra de Julia Gallo, adquirida pelo casal Alfredo e Rose Setubal para a Pinacoteca de São Paulo, conforme apontado em relatório da Artsy.
Por fim, a SP–Arte 2025 reuniu um amálgama de discursos, com modernismo consagrado, contemporâneos ascendentes e uma audiência que equilibrou euforia e calma ao avaliar valores e relevância artística. O evento, mais uma vez, se firmou como barômetro do mercado de arte latino-americano: mesmo sem o mesmo ímpeto avassalador de antes, demonstrou maturidade, diversidade e uma fidelidade do público que, ao que tudo indica, mantém a feira como uma das referências máximas na região.