Vivemos um novo mundo e é preciso adaptar. Enquanto muitos museus e galerias estão procurando a melhor trilha para levar arte ao universo digital, artistas também buscam potência nesta não nova porém atualmente única forma de criação. Pensando nisso o Pivô migrou o seu já tradicional projeto de residência artística para o ambiente digital, instigando o questionamento do que significa a produção artística e a atuação institucional sob a mediação compulsória das telas. Conheça aqui 5 dos artistas que estarão no ciclo que começa no dia 30 de junho sob curadoria de Clarissa Diniz!
1.Yhuri Cruz
Yhuri Cruz desenvolve sua prática artística e literária a partir de textos que envolvem ficções visionárias, proposições performativas – que o artista chama de cenas – e instalativas em diálogo com sistemas de poder, crítica institucional, relações de opressão, encenações de cura, resgates subjetivos e violências sociais reprimidas ou não resolvidas. O interesse pela elaboração de cenas vem da vontade de endereçar uma ação a alguém. “Muitos performances usam o próprio corpo para trabalhar e eu queria ter a possibilidade de integrar outras pessoas nessas narrativas”. Ele e seus colaboradores usam, muitas vezes, máscaras de granito e mármore da série Pretusi: “Um dos escultores que mais me atiça criticamente e artisticamente é o Brancusi. Gosto formalmente das esculturas dele. No entanto, quando vejo seu trabalho me deparo também com a visão contraditória e apropriadora da cultura africana. Ele foi para a África e se inspirou nas esculturas e máscaras locais para fazer sua obra. Então, minha ideia é tirar um sarro dele e criar o “Pretusi”, a versão negra de Brancusi”, explica o artista. A ideia de usar a máscara é uma forma, também, de incorporar outros papéis na sociedade e reivindicar um protagonismo. Há, ainda, uma relação direta ao livro Peles negras e máscaras brancas, de Frantz Fanon, e uma pesquisa das simbologias da própria matéria: o mármore branco traz a questão da branquitude e do lugar mais elitista do material, enquanto o granito entra como um contraponto da cor negra. “Ambos têm uma tradição mórbida muito intrínseca. Portanto, usar as máscaras de granito e mármore é como dar vida à morte”, completa.
2. Iagor Peres
Membro do coletivo CARNE – Coletivo de Arte Negra, Iagor Peres começou o seu trabalho artistico explorando a dança e, posteriormente, a performance. Não à toa, ele partiu do pensamento do próprio corpo para criar a mistura material de suas recentes esculturas. “Eu queria encontrar um material que entendesse uma vivência mais subjetiva no mundo. Queria tirar o meu corpo físico do trabalho, mas gostaria de manter as relações da minha pele com o mundo”, explica o artista que desenvolveu uma mistura química que chama de primeiramente de “pele material” e, depois, de “pele estendida”. Interessado pelas densidades e substâncias visíveis e invisíveis que compõem as relações no espaço, Iagor entendeu, nesse processo, a ideia de “racialização” ou de mito racial. “É um processo de despersonificação, aglutinação e massificação”, define. Ele aponta, também, para as relações entre os processos de formação do imaginário e a arquitetura, buscando práticas híbridas para compor processos de criação e assim imagear esculturas, telas, videoinstalações, performances e textos. Sobre a residência online e a adaptação de um trabalho tão material e corporal para o mundo digital, o artista ressalta animado: “O meu trabalho tem uma relação muito presencial e eu quero descobrir como essa materialidade vai se transpor para a tela. Eu tenho várias dúvidas que podem ser potência!”
3.Érica Storer de Araújo
Interessada pelas diversas possibilidades da palavra “performance”, Érica Storer de Araújo idealiza ações que questionam temas como o alto desempenho exigido no mundo contemporâneo e as noções de trabalho e multitarefas. O ponto de partida para criar Burnout, por exemplo, foi o livro Sociedade do cansaço, de Byung-Chul Han, onde é discutido excesso de positividade para o bom desempenho e necessidade do ser humano ir sempre além do seu próprio limite corporal e mental. Já durante a pandemia a artista criou Rõm-ófice, ainda explorando a ideia de criar um escritório acoplado à academia para otimizar o tempo e possibilitar o comprimento das tão almejadas multitarefas. Na exposição Prometo falhar, em 2018, Érica já explorava o tema. “Essa expressão vem de um livro de autoajuda. Me interesso pela essa ideia de superação e por isso criei um espaço a beira de um fracasso revestindo-o de perfex – algo extremamente útil porém rapidamente descartado”, explica.
4.Bruna Kury
Bruna Kury é brasileira, anarcatransfeminista, performer, artista visual e sonora e desenvolve trabalhos em diversos contextos, seja no mercado institucional da arte ou em produções de borda. Focada em criações atravessadas por questões de gênero, classe e raça (contra o sistema patriarcal heteronormativo compulsório vigente e as opressões estruturais), ela também investiga sonoridades e a criação de objetuais que são ramificações do trabalho com performance. O dildo-faca, por exemplo, nasceu depois de performances que Bruna já realizou algumas vezes na qual ela coloca uma faca no cú, transformando-a em uma prótese, como um rabo. Deu origem a série Escorpiônika, onde ela traz também a questão da violência que corpos transvestigêneres sofrem. “Trata-se de um cú que não é passivo, mas sim ativo e cortante. Aqui não somos para sermos penetradas passivamente e submissas, temos ânus canibais. Quando faço a obra penso muito também nessa disforia em relação ao próprio corpo, o que leva várias pessoas trans a se automutilarem por inadequação ou insatisfação ao próprio corpo, muitas vezes chegando ao suicídio. Isso acontece principalmente por falta de auxílio ao SUS e a transgenitalização e o trabalho é um alerta a necessidade do acolhimento às urgências da população trans”, explica a artista. A sonoridade nas obras nascem a partir de um pensamento sobre sensorialidades. “Meu trabalho sofre influência do conceito de suprasensorial do Hélio Oiticica. Apesar de ser branco e elitizado, Hélio me traz perspectivas interessantes”, conclui.
5. Vita Evangelista
Vita Evangelista é artista não-binárie graduade que trabalha com mídia digital, video, escrita e performance no cruzamento entre feminismos queer, imaginação radical utópica, tecnologia e corporificações do conhecimento. Nascide no Brasil e imigrante há dez anos na Holanda, Vita valoriza o afeto como lente de investigação particular e preocupa-se com a questão dos danos emocionais como conseqüência do sistema de conhecimento hegemônico que também fere o mundo. Baseadas em narrativas auto-tecno-poéticas que podem emergir da alienação consciente, as obras de Vita são reflexões sobre as repercussões incorporadas da violência epistêmica, que exigem ressignificação.