Ruth Asawa: Desenho Espacial

O MoMA dedica uma grande retrospectiva a Ruth Asawa, revisitando a obra da artista que transformou fios e formas em poesia visual ao longo de seis décadas

por Diretor
6 minuto(s)

Em 7 de dezembro de 1941, a marinha imperial japonesa bombardeou a base naval de Pearl Harbor, localizada no Havaí. Este ataque surpresa mudaria radicalmente os rumos da II Guerra Mundial: converteu a opinião pública americana; acelerou a entrada dos Estados Unidos no conflito; ampliou ainda mais o palco militar do Pacífico; e finalmente levou à futura vitória dos Aliados contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Não à toa, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill comemorou o evento, declarando ter dormido aliviado naquela noite, já que a ofensiva nipônica representou um ponto de inflexão da guerra, virando a balança em favor do Reino Unido.

Mas poucos sabem que o episódio desencadeou uma série de medidas internas no país, levando os americanos a, quase imediatamente, passar a recolher e prender nipo-americanos. O governo estadunidense estabeleceu dez campos de concentração, onde foram encarceradas cerca de 120.000 pessoas de ascendência japonesa, mais da metade delas com plena cidadania local. Os números avassaladores tornam-se ainda mais espantosos quando comparados aos poucos milhares de presos dentre os milhões de descendentes de italianos e alemães que viviam nos Estados Unidos. Família inteiras foram deslocadas de suas casas e cidades, às vezes Estados, deixando para trás grande parte de seus bens (incluindo imóveis e propriedades rurais). Quase 40 mil crianças também foram detidas, ainda que não representassem nenhum risco à nação. E Ruth Asawa foi uma delas.

Ruth Asawa, Sem título, 1951–52. Obra © 2023 Ruth Asawa Lanier, Inc./Artists Rights Society (ARS), Nova York. Cortesia David Zwirner. Fotografia de Denis Y. Suspitsyn

Nascida em 1926, na Califórnia, filha de pais imigrantes japoneses que mantinham um pequeno sítio onde cultivavam hortaliças e frutas, Asawa foi enviada ao Rohwer War Relocation Center, Arkansas, junto com a mãe e seus seis irmãos. Seu pai, por outro lado, fora preso pelo FBI e enviado a um centro no Novo México, e por meses a fio seus familiares não sabiam de seu paradeiro, demorando 6 anos para revê-los. Ali, com os dias livres das obrigações rurais, a artista começou a desenhar e experimentar com aquarela. O interesse pela arte vinha desde o início da infância, com reconhecimento de seu talento pelas professoras primárias e em concursos infantis. 

Diante de tantas provações, Ruth acabou tendo muita sorte. Após pouco mais de um ano de detenção, ela recebeu uma bolsa de estudos de uma organização religiosa para frequentar a universidade em Milwaukee, Wisconsin. Finalmente, em agosto de 1943, sua carta de alforria chegou em forma de uma carteira de identidade que lhe permitia circular livremente. Incentivada por voluntários e professores que colaboravam com os internos, a artista partiu para nunca mais olhar para trás: não voltou para visitar sua família e só viu seus pais de novo em 1948, depois de se formar.

Apesar de gozar de uma liberdade reservada para poucos nipo-americanos, o período que passou em Wisconsin não foi lá tão mais gentil. Frequentando o curso de licenciatura em arte, Asawa foi impedida de se formar, já que não pôde cumprir os créditos de ensino prático em escolas públicas por ser japonesa. Assim, abandonou a escola sem seu diploma – que lhe seria concedido simbolicamente mais de 50 anos depois, em 1998 – e migrou para a Black Mountain College, localizada na Carolina do Norte, em 1946. No ano anterior, em uma viagem ao México, havia conhecido uma professora que era amiga de Josef Albers, o notório artista alemão companheiro de Anni Albers que havia fugido da Europa por causa da guerra e estava lecionando na Black Mountain. A escola havia sido fundada em 1933 como um experimento de liberdade acadêmica e artística, com um currículo flexível que buscava formar mais que artistas, mas cidadãos. Outros nomes ilustres que passaram pelo experimento – seja como alunos ou como professores – incluem Buckminster Fuller, Cy Twombly, Willem de Kooning, John Cage, Merce Cunningham, Jasper Johns, Robert Rauschenberg, Kenneth Noland, além de Albert Einstein e Aldous Huxley.

Ruth Asawa ajoelhada atrás de uma escultura de arame enrolado, 1957, por Imogen Cunningham

Durante os três anos que passou ali, Asawa estudou sob a direção de Albers, mas também passou pelos mais variados suportes e disciplinas, incluindo desenho, pintura, tecelagem, dança e até arquitetura. Em 1949, decidiu mudar-se para São Francisco, uma cidade mais libertária e com uma vibrante cena artística. Casou-se com o arquiteto Albert Lanier, com quem teve 6 filhos no curto período de 9 anos. Em paralelo, realizou seu primeiro grande corpo de trabalho: suas primeiras esculturas, feitas com uma espécie de trama metálica armada em esferas. Criando tecidos de arame estruturados, moldáveis mas estáveis, a artista começou a desenvolver formas muito próprias, tridimensionais e translúcidas, leves e minuciosas. Desafiando o estatuto da escultura tradicional, suas peças não se apoiavam no chão ou em pedestais, mas pendiam do teto. Essas redes trançadas eram construídas em volumes que se auto-encapsulavam, evocando também a forma de cestas e cabaças. A unidade mais fundamental dos trabalhos era a linha, o arame, que ia sendo urdido e armado, entrelaçado e envelopado por outras camadas de malhas metálicas, evocando estados de suspensão e respiração. Em suas próprias palavras, “Minha curiosidade foi despertada pela ideia de dar forma estrutural às imagens em meus desenhos. Essas formas surgem da observação de plantas, da concha espiral de um caracol, da visão da luz através das asas de insetos, da observação de aranhas consertando suas teias no início da manhã e da observação do sol através das gotas d’água suspensas nas pontas das agulhas de pinheiro enquanto rego meu jardim.” 

A leveza e transparência dessas obras de Asawa chamavam atenção, assim como o movimento das esculturas, sua posição inusual, além da sombra que projetava contra as paredes dos espaços expositivos. Os contornos biomórficos e as composições acumulativas também criavam dúvidas no olhar, desafiando a identificação precisa dos casulos internos e externos. Muitas das esculturas partiam de desenhos e estudos que a artista havia desenvolvido na Black Mountain College, enquanto outras miravam folhas e árvores, fungos e bactérias, algas, corais e animais marinhos, órgãos e tecidos, padrões naturais e geométricos. Os materiais empregados na maioria de suas das peças dessa primeira fase eram baratos e facilmente encontrados, revelando uma investigação estética que sabia reconhecer a escassez de recursos e partia do que era possível, e não do que era ideal. 

Vista da instalação, Ruth Asawa: Life’s Work, Galeria Principal, Pulitzer Arts Foundation, St. Louis, Estados Unidos, 2018. Todas as obras © 2025 Ruth Asawa Lanier, Inc. Fotografia © Pulitzer Arts Foundation e Alise O’Brien Photography

A artista e Lanier passaram anos em dificuldade financeira, resistindo a trabalhos na área de design industrial, desmotivados pelas práticas comerciais injustas das empresas. Ambos queriam viver de suas produções autorais, com independência criativa. Mas o final da década de 1950 começa a trazer bons resultados para Asawa, com participação em mostras institucionais no San Francisco Museum of Art, no Whitney Museum of American Art e no MoMA, entre outras. Já em meados dos anos 1960, a artista passou a experimentar com fundição em bronze, recebendo sua primeira comissão pública para a cidade de São Francisco. Depois de dois anos de projetos e estudos, moldes e fundições, a fonte da Ghirardelli Square foi inaugurada em 1968 em meio a diversas polêmicas, com um par de sereias – uma delas amamentando um bebê sereia – sentadas sobre vegetações fluviais e marítimas, entre animais como sapos, peixes e tartarugas. Suas esculturas fundidas reafirmavam o que ela aprendera com Albers na Black Mountain College: “O artista deve descobrir a singularidade e a integridade do material.” 

Suas obras públicas começam a se popularizar a partir daí, com a artista impulsionada pela instabilidade social da década, por seu comprometimento com sua comunidade local e sua vocação para o ativismo. Em 1968, ela co-fundou o Alvarado Workshop, envolvendo-se cada vez mais na vida política da cidade. Asawa uniu forças com outros artistas na luta por mudanças sociais, enquanto finalmente alcançava estabilidade financeira com os trabalhos comissionados que lhe proporcionavam visibilidade, levando-a a projetos cada vez maiores. Nos anos 1980, continua dedicando seus esforços à educação artística em São Francisco, trabalhando na construção de uma escola pública de arte que ofereceria uma formação de primeiro nível em paralelo às escolas de música e dança da cidade. 

Em 2002, Asawa concluiu seu último projeto público, um parque dentro do campus da San Francisco State University, intitulado “Garden of Remembrance”, ou “Jardim de Recordações”. A artista contou com a colaboração dos paisagistas Shigeru Namba e Isao Ogura, usando pedras retiradas de cada um dos dez campos de concentração onde nipo-americanos foram detidos e encarcerados. Em 2008, a artista perdeu seu companheiro de quase 60 anos e, em 2013, aos 87 anos, faleceu em sua casa, tendo testemunhado seu próprio sucesso em grandes retrospectivas e aquisições museais. Em outubro de 2025, o MoMA inaugurará uma ampla retrospectiva de Asawa, com mais de 300 obras, mapeando as explorações de materiais e formas ao longo das 6 décadas de sua carreira. A mostra apresenta a grande variedade de suportes explorados por ela, desde as esculturas em arame, passando pelos moldes de bronze, desenhos, pinturas, gravuras, até suas obras públicas. Esta será a primeira expressiva investigação póstuma sobre Asawa, oferecendo diferentes pontos de vista sobre sua obra e possibilitando espaços para novos olhares atentos sobre sua trajetória. A exposição revela também o modelo de prática artística integrada cultivado pela artista, para quem todos os atos continham um potencial criativo e para quem não havia separação entre vida e arte.

Imogen Cunningham, Ruth Asawa 6 (1957). © 2022 Imogen Cunningham Trust. Obra © 2021 Ruth Asawa Lanier, Inc./ARS, Nova York e DACS, Londres. Cortesia David Zwirner

Você também pode gostar

© 2024 Artequeacontece Vendas, Divulgação e Eventos Artísticos Ltda.
CNPJ 29.793.747/0001-26 | I.E. 119.097.190.118 | C.C.M. 5.907.185-0

Desenvolvido por heyo.com.br