Rubem Valentim nasceu em Salvador (BA), em uma família de poucos recursos, sendo o primeiro de seis filhos. Cresceu tendo contato íntimo com a religiosidade sincrética afro- brasileira: sua família era católica e Valentim fez a primeira comunhão, enquanto simultaneamente frequentava terreiros de candomblé.
Essa ligação, estabelecida desde muito cedo, tanto com os ritos afro-brasileiros quanto com o imaginário das igrejas cristãs, acabou por permear a maior parte de sua obra. “Sua obra é única na história do século 20, pois desafia o cânone oficial ao oferecer resistência às conceituações simplificadores de suas possibilidades, e não se deixar facilmente incorporar nem por uma nem por outra leitura: o ‘Valentim concretista’ não se deixa apartar do ‘Valentim popular’ e do ‘Valentim religioso’ pois fazem parte de uma mesma percepção de mundo, uma que busca a síntese das experiências, e não sua divisão”, argumenta o curador Fernando Oliva.
Valentim iniciou sua trajetória como artista nos anos 1940, de maneira autodidata, incorporando em sua produção elementos das tradições populares do Nordeste, caso da cerâmica do Recôncavo Baiano. Ainda na década de 1940 participou – ao lado de Mario Cravo Júnior, Carlos Bastos e outros– do movimento de renovação das artes plásticas na
Bahia, no contexto do chamado Segundo Modernismo brasileiro (que se seguiu à Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo).
A partir dos anos 1950 passa a ter como referência o universo das religiões afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda, com seus objetos e ferramentas de culto, estruturas de altares e símbolos de deuses. Tais interesses, preocupações e concepções artísticas traduzem-se, em sua obra, por meio de signos e emblemas, originalmente geométricos, que são reorganizados em uma matriz ainda mais rigorosa, formada por linhas horizontais e verticais, triângulos, círculos e quadrados, com base em uma complexa dinâmica de recortes, subtrações e justaposições. Dessa forma, compõem um repertório pessoal que, aliado a um expressivo e particular uso da cor, abre-se a novas e infinitas possibilidades poéticas e formais.
No final da década de 1960, seu trabalho ganha novas escalas além da pintura e se materializa em murais, relevos e esculturas monumentais em madeira, escolha que o acompanhará por toda sua trajetória a partir de então. “Um dos importantes aspectos negligenciados pela história canônica da arte brasileira diz respeito a um entendimento político da obra de Rubem Valentim. Para isso contribuiu a insistência em enquadrá-lo, um tanto que à força, no contexto das correntes construtivas canônicas, forjadas no chamado eixo Rio-São Paulo, apartando das reflexões os sentidos religioso, espiritual e social, portanto político, que são parte integrante da conformação de seus trabalhos e de sua vida como artista. Há também um certo descaso com o próprio discurso de Valentim, sua militância por uma arte brasileira e popular, ideias que divulgava regularmente em seus textos e nas entrevistas que concedia à imprensa”, afirma Fernando Oliva.
Apesar de sua importância, da qualidade e força de sua obra, Valentim ainda não possui o
devido reconhecimento de sua contribuição histórica para a cultura brasileira e internacional. Portanto a necessidade e urgência de, neste momento, reavaliar o seu legado, buscando novas análises que, sem fragmentar sua obra, a atualizem, aproximando-se dela em sua totalidade e complexidade, sem neglicenciar os aspectos políticos, religiosos e sobretudo afro-brasileiros que ela possui.
Rubem Valentim: Construções afro-atlânticas
Abertura: 13/11/19, 20h
Visitação: até 10/03/19; quarta a domingo, 10h-18h; terça, 10h-20h
MASP: Avenida Paulista, 1578, São Paulo. Ingressos: R$35 (entrada); R$17 (meia-entrada). Entrada gratuita às terças