Sem dúvida, uma das piores heranças culturais deixadas no Brasil pela colonização europeia foi a hierarquização de culturas que, no lugar de coexistirem, se dispõe de formas desiguais fazendo com que uma se sobreponha à outra. O ensaio Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira, de Lélia Gonzalez, funciona como um fio condutor para a exposição de Rosana Paulino intitulada O tempo das coisas, além de dialogar com as obras da artista. Gonzalez discute neste trabalho a ideia de recalcamento e repressão das culturas subalterizadas, “um dos processos de recalcamento a que a autora se refere é a noção de que existe uma cultura brasileira, herdeira europeia, que permitiu a influência de certos elementos culturais indígenas e negro-africanos na sua formação”, coloca Lorraine Mendes.
Inaugurada ontem, dia 8 de junho, na galeria Mendes Wood DM de Bruxelas, a exposição é a primeira individual de Paulino na Europa e é, certamente, um marco importante e ambíguo em sua carreira. Ambíguo no sentido de levar a sua arte marcada pela luta antirracista, antisexista e contra hegemonica justamente ao berço da cultura brancocêntrica, justamente ao lugar de onde parte a dicotomia cultural instaurada e imposta em nosso país. O evento é, entretanto, não só importante, mas interessante, já que se torna em uma oportunidade singular de fazer viver uma memória que não pode ser esquecida e trazer à tona questões que não podem ser apagadas.
Aliás, toda a produção de Paulino dialoga com esta ideia, com a necessidade de memorar constantemente não só a forma como a nossa história se desenrolou como também do que é, de fato, feita a nossa cultura, a cultura brasileira. “A obra de Rosana Paulino desestabiliza modelos representacionais dominantes através de imagens desestabilizadoras. Enuncia e dá ênfase ao que mais se procura omitir”, analisa Mendes, “ao pensar a diáspora a artista produz obras a partir do que incomoda e oferece, àquele que caminha por entre suas peças, o espelho para que se perceba também como parte de uma rede delicadamente entrelaçada: a Europa se beneficiou por inteiro com o tráfico atlântico”, conclui.
A obra de Paulino fala sobre a cultura afro-brasileira e sobre a mulher negra de um lugar de propriedade e com a linguagem e a experiência pessoal adequadas para relatar a história narrada em sua obras o que contribui para extinguir o lugar-comum de um branco explicando sobre a “alteridade”. Em cartaz até dia 30 de julho, as obras de Paulino não falham ao levar uma história omitida e subjugada para o velho continente o que permite que um novo olhar seja lançado e narrativas futuras sejam escritas.
Serviço:
O tempo das coisas
Local: Mendes Wood DM Bruxelas
Endereço: 13 Rue des Sablons, Bruxelas – Bélgica
Data: De 9 de junho a 30 de julho de 2022.
Funcionamento: De terça a sábado, das 11h às 19h.
Ingresso: Grátis