Regina Silveira ainda é o nome do momento

Em entrevista, a artista comenta sobre suas exposições recentes e o momento atual de carreira

por Giovana Nacca
8 minuto(s)
Abyssal (2010)

Influente no mercado de arte desde os anos 70, Regina Silveira nunca deixou de ser um dos maiores nomes do circuito artístico brasileiro. Apenas nesse ano, ela é destaque em cinco 5 projetos no país: a série de tapetes “Tropicals”, executada sob medida para o lobby do hotel Rosewood no projeto Cidade Matarazzo; Fauna Mix – exposição na galeria Luciana Britto;  Outros Paradoxos – mostra retrospectiva no Museu de Arte Contemporânea MAC-USP; Touch – instalação de grandes dimensões na recém-inaugurada Galeria Hugo França; e ainda Em escala – exposição individual da Galeria Bolsa de Arte.

Leia a seguir, a entrevista exclusiva onde Silveira conta um pouco sobre seus trabalhos:

Giovana Nacca – As suas obras dependem do engajamento do público e você traz situações extremamente cotidianas para seu trabalho. Como foi, para você, passar pelo isolamento social por conta da situação pandêmica? Como isso impactou sua produção, além das várias exposições e projetos que foram interrompidos?

Regina Silveira – Bom, eu tinha diversas coisas agendadas, diversas coisas em andamento quando começou essa situação geral em que a gente não podia comparecer ou que as coisas tinham dificuldade de se realizar. Eu tinha uma exposição que estava ainda no Paço das Artes, outra que abriu justamente quando se confirmou a situação de pandemia e que levou uns meses para poder de fato abrir no Rio Grande do Sul na Fundação Vera Chaves Barcellos junto com artista espanhol Antoni Muntadas. Essa exposição passou de fevereiro para setembro. A exposição do Paço também, que estava recém-aberta, levou uns meses para poder reabrir. De toda maneira eu já estava comprometida, a minha vida tem sido sempre com muitas realizações com data marcada e uma delas era o convite para participar da Bienal de São Paulo, outra era a minha exposição no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo que que terminou abrindo também junto com a Bienal porque eram duas exposições em colaboração.

Então esses dois projetos foram os que eu “arrastei”, vamos dizer assim, porque eram compromissos bastante grandes e envolvendo muita gente para poder cumprir plenamente, né? Então o trabalho da Bienal – o labirinto de vidro com tiros – já estava concebido. Durante o período de pandemia eu ainda tentei mudar tirando um pouco da fisicalidade do trabalho para tornar uma realidade aumentada, depois voltei atrás, ou seja, estive oscilando, mas com um apoio da Bienal. Chamei esse trabalho de paisagem, era um tipo de captura do nosso sentimento, da nossa paisagem mesmo de violência que estamos vivendo, né?

E a exposição do MAC é muito grande, tem quase cento e oitenta obras minhas que pertencem a coleção do museu, e precisava ser distribuída pelos espaços recém-reformados do anexo do museu. Então durante meses eu, as curadoras e o arquiteto Álvaro Hazuki, que fez a expografia, trabalhamos muito para conseguir montar a exposição em plena pandemia depois de já estar completamente montada virtualmente.

Essas duas coisas tomaram bastante energia, no sentido de que eu tinha que fazer. Eu nunca fui de ficar muito dentro das minhas coisas, eu tinha que participar disso aí e fisicamente também, tinha que estar presencialmente em muitas dessas coisas, né?  

E a gente continua na pandemia, então depois da Bienal, eu ainda abri uma exposição lá em Trancoso, num espaço novo do Hugo França, numa circunstância em que está implicada também a produção e a localização da obra da Bienal que vai para uma coleção pública em Pernambuco na Usina de Arte. E ainda tem muita exposição pela frente, então realmente, eu acho que o meu modo de enfrentar a pandemia foi trabalhando bastante. Com os assistentes à distância e tudo muito mais. Difícil, mas realmente eu consegui manter um nível de ocupação da minha cabeça e do meu tempo que contribuiu para um estado de saúde geral e mental também, senão eu não ia conseguir. Mas eu acho que a cena mudou muito nesses dois anos. A arte também mudou muito, ficou bastante afetada como linguagem, como circulação.

GN – Aproveitando que você citou a Bienal, nessa edição tivemos alguns trabalhos como os seus, ou da Carmela Gross, ou ainda do Hélio Oiticica que foram feitos sob um contexto de ditadura militar no Brasil e refletiam sobre esse estado. Agora eles foram reexibidos na edição de 2021 sob outro contexto, no entanto, com temas ainda atuais e urgentes. Queria saber como que você enxerga a passagem desse tempo, quais novos significados a gente pode atribuir a esses trabalhos?

RS – Eu não mostrei essa obra só porque era um trabalho histórico, mas eu mostrei porque é um trabalho que continua valendo. Aquele general sobre aquele tanque de guerra é sobre o poder. Então ele está valendo porque atravessamos situações assim. Aquelas sombras daquelas pequenas figuras querem discutir essa história aí, né? Elas são distorções, são anamorfoses que por si só já explicam o que elas querem dizer, né? Então eu acho que é um trabalho que continua valendo.

Eu não tinha nenhuma vontade de mostrar esse trabalho só porque ele é histórico, ele é de 81, são muitas décadas. Mas é um trabalho que foi feito com recurso de apropriação da mídia impressa. A mídia hoje me forneceu todos os tiros que eu precisava para aquele labirinto, ou seja, essa é a nossa paisagem, né? Nesse sentido, achei que esses artistas convocados foram convocados com obras que continuam falando sobre o momento atual, ainda que de outra maneira, um outro momento, num outro contexto, mas continuam sendo statements fortes.

Instalação de Regina Silveira na 34ª Bienal de São Paulo | foto: Tuca Vieira

GN – Falando agora de trabalhos mais recentes, quais as diferenças e semelhanças entre as séries Fauna Mix de tapeçarias e a série de tapetes Tropicals? E como foi o desenrolar da sua pesquisa poética em torno da significação e representação da fauna brasileira desde a década de 1990 até as séries mais recentes? 

RS –
Essa pesquisa da fauna é uma “mistura braba” de imagens apropriadas de manuais de história natural, de historiadores e viajantes que anotavam as espécies do novo mundo, até dos gabinetes históricos que guardavam esses exotismos das espécies. Tudo isso me interessou e me interessa há muitos anos. Então de um período para cá, eu comecei a colecionar essas imagens, me apropriar delas, redesenhar e fazer essas montagens, que de alguma maneira aludem a esse universo de tapetes dos países baixos.

As tapeçarias mostravam selvagens do Novo Mundo, bichos do Novo Mundo e coisas que eram exóticas para os descobridores. Eu sempre tive vontade de fazer obras em paralelo com aquelas que pudessem ser comentários irônicos daquilo. Mas aí essa é uma longa história, porque eu trabalhei nisso diversos anos e nesses diversos anos eu fiz também aqueles cenários para aquele show em homenagem aos setenta anos da Gal Costa com diversas animações desses bichos. E aí apareceu o convite do hotel, né? Foi a estratégia de elaborar um módulo com folhagens, mas também com aranhas, com lacraias, com borboletas, formigas… Então esses tapetes são como um fundo de natureza que você pisa em cima de aranhas, lacraias, formigonas. É um pedaço de Brasil com ‘Z’ (risos).

E agora eu finalmente estou realizando aquilo que eu imaginava há mais tempo que eram essas tapeçarias penduradas na parede com essas misturas todas. Agora, fazer tapetes e tapeçarias já é uma coisa que está no meu percurso desde os anos oitenta.

“Alados” da série “Fauna Mix”, 2021

GN – Mas é a primeira vez que você trabalhou com cor, certo?

RS – Com cor sim, é a primeira vez. Porque os outros tapetes e tapeçarias de 1988, todas eram num fundo neutro de lã e uma silhueta preta. Porque ali a história era o tapete em si, como uma superfície onde se abrigariam sombras de objetos. Que é muito diferente do que eu fiz agora, que eu usei a própria cor como uma alegoria das estações nos tapetes do hotel, por exemplo. Lá eu chamei os conjuntos dos tapetes de Tropicals, as tapeçarias da galeria chamei de Fauna Mix. Uma outra diferença é o uso, uma você olha e a outra você pisa em cima. Ou ainda o tipo de tapete também… Um é um tear feito à mão nas paredes, enquanto o outro é um outro tipo de tear mais grosso para resistir essas centenas de pessoas passando em cima dele.

GN – Já é possível analisar um pouco da resposta dos hóspedes e visitantes? Ou ainda é muito recente? Queria saber como foi a interação deles com as obras.

RS – Então, não sei… Eu confesso que não uso as redes sociais para nada… Mas eu acho que eles têm um grau de surpresa, é um lugar um pouco inesperado.

GN – Num geral, ilusionismo e distorção das imagens em sombras são marcas muito fortes do seu trabalho. Em que momento que você percebeu que isso era relevante na sua produção e o que espera passar por meio delas?  

RS –
Isso é uma longa história, viu? Mas o meu interesse em investigar a realidade que imagens ilusionistas podem carregar vieram de perguntas que eu me coloquei muito cedo dentro de uma posição bastante crítica em relação a toda essa cadeia de ilusionismo, esses pressupostos de realidade implicados na imagem. Eu acho que o meu percurso todo foi um percurso que se importa com a natureza da imagem, nos seus modos de produção, e como ela funciona, seja com a política, ou como ela funciona na vida, no comportamento e na relação com o mundo. Então a sombra tem muitos tipos de recados sobre o mundo, sobre as ausências, sobre a fantasmaria.

Mas eu acho que o que caracteriza meu trabalho é a minha relação com a arquitetura, por exemplo. Que eu tenho revestido muitas vezes com narrativas de imagens com a intenção de modificar a experiência daquele lugar. Isso aparece um pouco na exposição que eu abri na Bolsa de Arte, que tem diversas maquetes que mostram o uso das pegadas, do bordado, da palavra, enfim, de modo que eu tenho lidado com o espaço arquitetônico como um desafio, um desafio de linguagem mesmo.

GN – Eu tenho a impressão de que a sua geração de artistas, especialmente aqueles que trabalham com o espaço, com arquitetura e escalas dentro das artes visuais, são majoritariamente homens. Ao mesmo tempo, você é um dos principais nomes femininos nesse meio. Você concorda? Como que você se enxerga nessa questão?

RS – Essa é uma pergunta que eu também tenho. Eu tenho há muito tempo.

Nos anos oitenta, antes que houvessem aquelas exposições mais feministas da Ruth Escobar sobre arte das mulheres, eu estive organizando com o Museu de Arte Contemporânea uma exposição junto com uma artista americana que trouxe obras de outras mulheres americanas. Eu tinha muita curiosidade de investigar aspectos formais, e não de conteúdo, e entender se existiriam formas de arte mais praticadas pelas mulheres. Eu estava atrás de questões que já haviam sido levantadas. Eu nunca achei essa resposta, mas eu acho que sim, que tem que ter mulheres que enfrentam grandes escalas. Acho que pode ter uma dose de desconhecimento do porquê que tem muitos homens que se envolvem em tarefas e obras tais, mas acho que não dá pra caracterizar assim “de homem” e “de mulher”. Não sei responder sua pergunta (risos).

Eu penso que o meu trabalho é sempre um trabalho de mulher, porque eu sou uma mulher no mundo.

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