Em pleno XXI Salão Nacional do Artista na Colômbia, em 1971, uma obra chamou bastante a atenção. Era uma escultura da cabeça do presidente Carlos Lleras Restrepo, que havia deixado o cargo um ano antes. Feita por um artista estreante chamado Antonio Caro, Cabeza de Lleras era feita de sal e ficava dentro de uma urna de vidro, a ela era adicionado sal, fazendo com que dissolvesse à medida que o tempo passava durante a abertura da exposição, até desaparecer completamente. Apesar de ter sido, de certa forma, destruída pelo artista, a obra nunca foi esquecida. É sempre lembrada na História da Arte recente do país, não só por ter sido uma obra efêmera, mas pelo teor muito provocativo e crítico que ela tinha. Para o filósofo Álvaro Robayo Alonso, Caro calculou o escândalo que sua obra iria produzir e também pensou com bastante precisão no que aquilo representaria.
Isso porque simbologia daquela ação era muito mais forte: o artista não tinha dissolvido apenas uma escultura. Ele tinha dissolvido o ex-presidente da república. “A autoridade e a inteligência de Lleras se dissolvem nas águas purificadoras da história. A inteligência penetrante, representada pela essência concentrada do sal, não foi negada, mas lamentavelmente desperdiçada quando não está a serviço da comunidade, mas ao governar com arrogância do palácio presidencial como de uma urna de vidro”, pontuou Robayo Alonso no livro La crítica a los valores hegemónicos en el arte colombiano. Mas isso também é um marco porque a urna de vidro acabou não segurando a água, fazendo com que ela transbordasse pelo salão. “Eu digo, brincando, que comecei com o pé esquerdo, comecei mal. Embora tenha sido uma feliz coincidência, porque aquele passo em falso me deu um bom começo”, disse o artista e entrevista à revista Artishock em 2016.
Mas quem era esse cara que simplesmente chegou causando em dose dupla em sua estreia em uma exposição? Nascido em 1950 na capital colombiana, Bogotá, Caro se interessou pela arte quando ainda era adolescente, aos 16 anos. Não teve dúvida que era o que queria fazer para a vida, especialmente após ter contato com um tributo realizado por artistas colombianos a Dante Alighieri, organizado pela Embaixada da Itália no país em 1966, e visitar a mostra Espacios Ambientales, no Museo de Arte Moderno em 1968.
Ao terminar o ensino básico, logo se inscreveu para o curso de Belas Artes da Caro Universidade Nacional da Colômbia, em Bogotá mesmo. Lá, ele ficou muito próximo do movimento estudantil, se tornando bastante engajado em causas políticas, ao lado de Bernardo Salcedo, que era considerado por ele um “mentor” e que mais à frente iria ser seu parceiro no pioneirismo do movimento da arte conceitual na Colômbia. Caro, porém, não completou seus estudos. Logo depois de apresentar sua escultura no Salão de 1970, deixou a graduação
O consumismo, a globalização, a negligência dos governantes e o imperialismo, dentre outras questões sociopolíticas, eram temas bastante frequentes em seus trabalhos. Sua série de trabalhos mais famosa foi intitulada Colômbia. Ela foi feita primeiramente tendo como base o grafismo da marca de cigarros Marlboro e depois o logotipo de Coca-Cola. Com essas formas tipográficas ele escrevia Colômbia, tendo como objetivo chamar a atenção para um consumismo exacerbado no país, que segundo ele tinha relação com um apagamento de identidade nacional a partir de uma dominação capitalista e imperialista.
Na série Todo Esta Muy Caro, que iniciou em 1978, ele faz uma brincadeira com o próprio sobrenome, um trocadilho para dizer que os preços estavam muito altos naquele ano, em uma crítica à economia do país. O artista fez várias outras obras apenas modificando a locução adverbial que vinha junto à frase, como “Em Madri” e “Em Medellin”. Fez uma dessas até mesmo em referência à feira Zona Maco, alertando que os preços das obras vendidas estavam exorbitantes.
O artista faleceu na última segunda-feira, 29 de março, após ser internado no Hospital Universitário San Ignacio de Bogotá ao se sentir mal. Segundo a família, a causa da morte está relacionada a problemas no coração, afastando boatos que ele teria morrido por Covid-19. No ano passado, ele realizou uma obra para uma coleção que alertava a necessidade da quarentena e outros cuidados contra a crise do coronavírus. O projeto foi uma realização do jornal EL TIEMPO e o Museu de Arte Moderna de Bogotá. No poster que criou, escreveu a frase: “Eu com Eu, quarentena 2020”.