Por Jamyle Rkain
O artista plástico Ricardo Siri vive em uma casa no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Segundo ele, o lugar é um “achado”. No espaço, planta sua horta, cria galinhas e abelhas. Lá tem também o seu ateliê, uma oficina, seu estúdio e um quintal enorme. Todos esses espaços contribuem para a criação artística e muito sonora que ele desenvolve. Ele tem por “sonora” tudo aquilo que emite som, claro, mas isso é algo que pode ser diretamente ou indiretamente. O som sempre perseguiu Siri, que desde adolescente teve a música como seu primeiro contato com a arte.
Desde então, passou a estudar música e fez disso a sua carreira profissional, tendo trabalhado como instrumentista ao lado de nomes importantíssimos do cenário musical brasileiro, como Hermeto Pascoal e Sivuca. Ter trabalhado com esses dois diz muito sobre Siri, afinal, são ícones singulares que muito fizeram pela música experimental.
O artista, na época, tocava percussão. Estudou muito, tendo passado pela Los Angeles Music Academy e pela Sangeet Music School, ambas nos EUA. “Depois tive a necessidade de fazer as minhas coisas. Comecei a fazer minhas músicas, meus discos, trilha sonora… E comecei a abrir um campo menos formal da música, caindo pro campo experimental”, ele conta. Siri lançou, até agora, cinco discos autorais: SIRI, Concerto para Conserto, Ultrasom, Je Ma Pele e Interfaces.
Com o terceiro, em 2010, ganhou um Prêmio da Música Brasileira, em uma época em que trabalhos independentes não eram ainda tão visados: “Foi uma surpresa ter ganho esse prêmio, me motivou muito”. Nessa época, porém, Siri já flertava bastante com artes plásticas. “Eu já estava saindo do formato de show e já estava caindo para a performance com música, fazendo esculturas e sendo convidado para fazer exposições. Foi engraçado que quando consegui chegar nesse lugar interessante da música eu já não estava mais nela”, comenta o artista. Os dois últimos CDs, aliás, já têm muito de seu mergulho nesse campo. Foram, respectivamente, concebidos em uma residência artística na Cité International des Arts, em Paris, e como uma pesquisa sonora parecida com a que ele realizou para a mostra Interfaces, que aconteceu na Galeria Portas Vilaseca em 2019.
Siri ainda trabalha e estuda música até hoje, vive fazendo música. Ele conta que faz trilhas sonoras em seu estúdio em casa e produz discos. Mas não é apenas nesse lugar-estúdio que a música é feita por ele. Suas obras no campo das artes plásticas são permeadas pela música e pelos sons! Ele vai fazendo música com os sons que grava no seu cotidiano, como os zumbidos das abelhas e os barulhos das galinhas que têm em sua casa. “Toda a inspiração do quintal de casa eu consigo levar para a galeria de arte”, diz.
Em sua exposição mais recente, inaugurada de forma virtual na Galeria Janaina Torres, Siri leva, de fato, tudo isso. Obras desenvolvidas a partir de partes de colmeia, cera de abelhas, argila, galhos e gravetos… Elas evocam indiretamente os sons de abelhas, pássaros, galinhas, remetendo o visitando ao lugar-quintal.
O artista começou fazendo obras com instrumentos musicais. Ele estudava um por um e ia criando a partir deles, como os trabalhos da série Teclas, na qual ele constrói objetos com teclas de piano/teclado. Depois, imergiu na ideia de “ninho”, isso porque, ele conta, sempre gostou muito de pássaros: “Sempre observei muito eles, sabia diferenciar os sons dos pássaros, imitar…”. Os ninhos, então, começaram a aparecer dentre as obras de Siri, formados por arame farpado, galhos, pena de galinha e barro, dentre outras matérias-primas. Além disso, vários formatos e tamanhos eram feitos. A instalação Ninho, de 2018, por exemplo, cabe uma pessoa adulta.
Agora, o artista passou a se interessar pelas abelhas. Ele conta que nunca foi fã de mel. Durante uma viagem para a Grécia, passou a apreciar o alimento, aprendendo sobre os vários tipos de abelha: “Eu fiquei enlouquecido com aquilo e quando voltei ao Brasil, percebi que era o país que mais tem abelha no planeta”. A partir daí, se interessou em estudar mais esses animais e hoje tem vinte caixas de abelhas de tipos diferentes em seu quintal.
Essas matérias mais orgânicas que compõem as obras também se juntam aos instrumentos musicais hoje, formando objetos híbridos, como Ninho de João, de 2019, que é formada por uma casa de João de Barro (esculpida pelo artista) e uma corneta, e Casulo II, de 2020, que une uma concha a uma campana de trompete.
“Quando comecei a fazer as esculturas, todas elas tinham um som. Comecei a colocar sons em todas elas. Eu terminava de fazer a escultura, levava pro meu estúdio, olhava para ela e pensava em um som para ela”, conta o artista. Com o passar do tempo, ele completa, foi percebendo que tinha escultura que ele não precisava colocar som, ele já existia. Era um som que não era “legível”, mas que existia. Por exemplo, quando ele constrói um ninho, já existe o som: “Aquele silêncio faz parte de um som muito mais poderoso que se eu colocasse um som ali”. A concha também tem esse mesmo efeito. Inclusive, ele explica, ela foi um dos primeiros instrumentos sonoros da humanidade, sendo utilizada como instrumento de comunicação. Quem nunca, aliás, colocou uma concha no ouvido para “escutar o mar”?
Com Organismo, a individual que Siri apresenta na Galeria Janaina Torres, é selada a sua representação pela casa paulistana, anunciada no mês passado. O artista e a galerista se encontraram no réveillon de 2019 para 2020. Conheciam-se apenas de nome, nunca tinham se visto antes. A conversa rendeu um convite para que trabalhassem juntos e o trabalho já começou a ser desenvolvido desde o início do ano, culminando nesta exposição. A mostra chegou a ser montada fisicamente, mas a pandemia fez com que abertura fosse adiada e, depois, fosse transposta para o ambiente virtual. Basta clicar neste link para visitá-la.