A busca por uma arte essencialmente brasileira e disruptiva era uma das principais reivindicações modernistas. Hoje, sabemos que não é possível, nem preciso, conceber apenas uma identidade nacional. Num país de dimensões continentais, nossa maior riqueza está na diversidade. Tendo como gancho a Semana de 22 e a primeira fase do modernismo, selecionamos artistas que pesquisam e nos apresentam o Brasil e sua multiplicidade. Convidamos os curadores Raphael Fonseca e Catarina Duncan para nos ajudar nessa missão e mesclamos os nomes indicados por eles à nossa lista.
AQA indica
Bárbara Wagner @barbarawagner__
Nasceu em Brasília em 1980. Vive e trabalha em Recife (Pernambuco).
O Brasil de Bárbara Wagner está centrado no “corpo popular” e em suas estratégias de subversão e visibilidade entre os campos da cultura pop e da tradição. Uma das fotografias da série Brasília Teimosa (2005-2007) pode ser vista na mostra de longa duração do Masp, Acervo em Transformação. Nela, dois meninos de sunga encaram a câmera com a praia lotada ao fundo. “Durante quase dois anos, sempre aos domingos, fui a Brasília Teimosa com a ideia de trazer luz a questões raramente tocadas diretamente pela mídia, que por natureza estigmatiza as questões de gosto, de consumo e de comportamento experimentados em bairros de classes populares brasileiras. Durante o processo, o que mais me atraiu foi perceber uma sabedoria particular por trás de toda aquela energia e vulgaridade, que tem tudo, menos pena de si própria”, explica em seu site. Desde 2011, Bárbara trabalha em parceria com Benjamin de Burca.
Bruno Brito @brunobritobruno_
Nasceu em 1992 em Jacareí (São Paulo). Vive e trabalha em Queluz (São Paulo).
Bruno é fundador do Instituto Arado, que tem sede em Queluz, no interior de SP, e cujo objetivo é pesquisar e divulgar o imaginário rural brasileiro por meio de narrativas escritas e visuais. É com base nessa intensa pesquisa sobre a cultura caipira que Bruno desenvolve suas pinturas e ilustrações de serpentes do campo, medicina caipira e peixes da costa brasileira (muitas à venda na loja online Arado). Atualmente, está produzindo estandartes que dialogam com elementos populares (paisagens, personagens, cenários) para serem expostos numa individual — em negociação e, por isso, ainda sem data e local confirmados.
Dalton Paula @dalton_paula
Nasceu em 1982 em Brasília (DF). Vive e trabalha em Goiânia (Goiás).
Quem ainda não o conhece, terá a oportunidade de vê-lo no MASP e na Pinacoteca neste ano. Dalton investiga o corpo silenciado por meio de pinturas, instalações, fotografias e vídeos. Com seu interesse recorrente pelos retratos, dá visibilidade e reconhecimento a personalidades ligadas à diáspora africana esquecidas, apagadas ou subrepresentadas na historiografia oficial — muitas vezes dando à elas, pela primeira vez, um rosto.
Davi de Jesus do Nascimento @nasceumdavi
Nasceu em 1997 em Pirapora (Minas Gerais). Vive e trabalha em Belo Horizonte (Minas Gerais).
Davi é artista plástico, performer e poeta. Sua pesquisa é marcada pela relação — sua e a de seu entorno — com o rio São Francisco, que banha sua cidade natal. Em sua obra, retoma origens familiares (de pescadores, lavadeiras e mestres carranqueiros), tendo, inclusive, desenvolvido trabalhos em parceria com o seu pai, pescador e marceneiro. Em Oratório ou Atajé I e II (1998-2003-2019), os dois recompraram de pescadores canoas que o pai havia construído e vendido e transformaram as proas em atajés que dispunham em seu interior de carniça de jegue, sino, ossadas de santas e sal grosso. Segundo o artista, seu trabalho ocupa também um lugar de reza cotidiana, forma de canalizar seu luto — sua mãe morreu afogada no mesmo São Francisco em 2013. O artista esteve na 3ª edição de Frestas – Trienal de Artes, que ocorreu entre 2021 e 22 no Sesc Sorocaba.
Jonathas de Andrade @jonathasdeandrade
Nasceu em 1982 em Maceió (Alagoas). Vive e trabalha em Recife (Pernambuco).
O alagoano foi um dos escolhidos para representar o Brasil na edição deste ano da Bienal de Veneza. Segundo o curador Jacopo Crivelli Visconti, “O artista busca em seus trabalhos a ideia de uma cultura autenticamente popular, em todas as possíveis acepções e na intrínseca complexidade dessa definição”. Alguns de seus trabalhos resultam de um intenso processo de convivência e troca com comunidades de lugares distintos do Brasil. Destaque para o vídeo O peixe (2016), apresentado 32ª Bienal de São Paulo, em que ele nos apresenta um ritual praticado por pescadores de uma vila nordestina que abraçam, num misto de afeto e dominação, suas presas na hora da pesca.
Wallace Pato @wallace.pato
Nasceu em 1994 no Rio de Janeiro. Vive e trabalha no Rio de Janeiro.
Autodidata, Wallace começou pintando rostos de conhecidos nordestinos (familiares, vizinhos, amigos, trabalhadores) em muros e paredes do Rio, sobretudo nas comunidades e periferias, para dar vez e voz a histórias invisíveis. Entre o final do ano passado e início deste, apresentou sua primeira individual na Mendes Wood DM, em São Paulo, reunindo suas pinturas em torno do samba carioca e do subúrbio brasileiro. “Eu pinto sobre o subúrbio, sobre o Brasil. Tenho vários objetivos, mas acho que o maior deles é ser porta-voz de quem nunca foi ouvido. Gente que é gigante tem muita força, carrega uma história enorme, muito nas costas e nunca tiveram a chance de falar, ou quando o fizeram, foram ofuscados”, explica no texto da exposição.
Curadores indicam
Julia Debasse @juliadebasse
Nasceu em 1985 no Rio de Janeiro. Vive e trabalha em Fortaleza (Ceará).
“Julia é uma artista muito interessante que bagunça a noção de ‘origem’ ao mesclar elementos como religião e imaginário popular”, afirma Raphael Fonseca. Em suas pinturas e desenhos, ela explora narrativas que combinam referências à “baixa” e à “alta cultura” e busca eliminar os espaços supostamente existentes entre eles. Na cômica Método Anticoncepcional (2021) uma mulher nua aparece contente de braços cruzados. Atrás dela, está uma paisagem tropical e, à sua frente, um boto-cor-de-rosa morto — clara referência a uma das lendas do folclore brasileiro.
Maria Macêdo @_magianegra
Nasceu em 1996 em Quitaiús (Ceará). Vive e trabalha em Juazeiro do Norte (Ceará).
“Resistir ao tempo engolidor de subjetividades, resistir à migração forçada, reconhecer a energia da terra como vitalidade”, resumiu Catarina Duncan. Maria é artista, educadora e pesquisadora. Seu trabalho é desenvolvido com base na ciência da mata, enquanto mulher negra, nordestina retirante, traçando caminhos a partir de lacunas historiográficas, construções afetivas e memórias pessoais e coletivas. Na performance Procissão para os corpos que não morreram (2020) ela, vestida de branco e com os pés descalços no chão, caminha pelas ruas do Ceará em procissão e, por meio desse ritual, revisita parte de sua história em conexão com aspectos históricos do estado do Ceará e rememora as tantas migrações do Nordeste para o Sudeste do passado e do presente.
Mais indicados de Catarina Duncan
Feliciano Lana
“Artista que nos deu caminhos visuais para compreensões dos mundos complexos que somos e poderemos ser”.
Herbert De Paz
“A certeza da nossa americanidade latina, o olhar de fora que vem de dentro”.
Luana Vitra
“Pensar sobre o extrativismo e saqueamento da terra é pensar o Brasil hoje”.
Mirian Inêz da Silva
“Saber mergulhar no universo da fantasia e do cotidiano, nas profundezas da terra, na gente”.
Mais indicados de Raphael Fonseca
Benedito Ferreira
“Tem um trabalho interessante de catalogação fotográfica das pessoas de Goiânia, levantando a questão da alteridade, muito comum no modernismo brasileiro e mundial”.
Felipe Rezende
“O lugar do trabalhador foi muito explorado no modernismo e, hoje, ele é um dos artistas contemporâneos que falam sobre o assunto”.
Laís Amaral
“Laís tem um trabalho abstrato que não é apenas abstração: são imagens que lidam com a ideia de origem e tem relação com a noção de raiz”.
Talles Lopes
“Pesquisa a história da arquitetura e do urbanismo no Brasil especialmente nas periferias, campo preterido nos estudos sobre o tema”.