Mesmo diante das mazelas da Ditadura Militar, ainda assim é possível afirmar que este foi um período muito profícuo para artistas baianos. Enfrentando inúmeros episódios de censura, tortura e morte, a produção artística baiana manteve seu espírito contestador e inovador, ecoando até os dias de hoje em nosso imaginário cultural. O cinema, a música e as artes visuais são exemplos vivos deste acontecimento, marcado pelo surgimento de artistas célebres em meio às violências do Estado.
Em 1965, o diretor de cinema Glauber Rocha, um dos expoentes do Cinema Novo, escreve: “Sabemos nós – que fizemos estes filmes feios e tristes, estes filmes gritados e desesperados onde nem sempre a razão falou mais alto – que a fome não será curada pelos planejamentos de gabinete e que os remendos do tecnicolor não escondem, mais agravam seus tumores. Assim, somente uma cultura da fome, minando suas próprias estruturas, pode superar-se qualitativamente: e a mais nobre manifestação cultural da fome é a violência”.
Poucos anos depois nasce o Tropicalismo, um movimento de ruptura que sacudiu para sempre o ambiente da música popular e da cultura brasileira. Tendo como destaque os músicos Gilberto Gil e Caetano Veloso, suas produções musicais apresentam uma experiência estética aberta e sincrética, misturando aspectos da cultura popular, do samba, do pop, do rock e da pscicodelia.
Em dezembro de 1966 é inaugurada a I Bienal da Bahia, com a participação de artistas icônicos como Emanuel Araújo, Mario Cravo Neto, Rubem Valentim, Juarez Paraíso entre outros. Contudo, sua segunda edição em 1968 foi censurada no dia seguinte à sua inauguração, reabrindo depois de um mês e com 10 obras confiscada pelos militares por serem consideradas “subversivas”. Com sua terceira edição realizada somente em 2014, vale destacar a participação do artista Juraci Dórea na mostra. Além de viver a ditadura, Juraci Dórea participa atualmente da 34ª Bienal de São Paulo.
Para melhor contextualizar a produção artística visual baiana que é manifestada sob um período com influência de Glauber Rocha, Caetano Veloso, Gilberto Gil e dos artistas da Bienal da Bahia, a TVE lançou o documentário Geração 70: entre Censuras e Cipós. Este, teve como inspiração inicial a mostra Tempo e Linguagens realizada em novembro de 2015 na galeria soteropolitana Paulo Darzé Galeria. Nas palavras de Thais Darzé, uma das organizadoras da coletiva, “a mostra pensava nos possíveis desdobramentos que este modernismo baiano causou nas gerações seguintes”. São 14 os artistas que fazem parte do documentário, entre eles Almandrade, Bel Borba, Vauluizo Bezerra e Zivé Giudice, que também participaram de Tempo e Linguagens.
Geração 70: entre Censuras e Cipós conta com a participação especial do artista e pesquisador Ayrson Heráclito. Em suas palavras, “Foi um momento de exercitar também uma arte e uma cultura que não tivesse essa referência europeia como determinante”. Em complemento, a artista Sonia Rangel menciona, “Era um momento da política passar daquela política ideológica partidária para uma política dos comportamentos, dos costumes, da liberação do corpo, do amor e do uso de substâncias psicoativas, se a gente pode assim dizer. A Bahia teve um papel cultural muito forte neste momento, no sentido das políticas dos costumes”.
Se hoje podemos olhar para este passado recente e perceber semelhanças com o agora, não é por acaso. A fome voltou a se alastrar pelo país, bem como a ascensão do autoritarismo e do conservadorismo. Ao mesmo tempo, nunca antes fora tão abordado assuntos ligados ao pensamento decolonial e ao movimento afrofuturista. Pois se o futuro é ancestral, não é à toa que a história do Brasil (como nos é contada) começa na Bahia. Axé!