Neste dia 23 de outubro, Lygia Clark completaria 100 anos de idade! Nascida nesta data, em Belo Horizonte, no ano de 1920, a artista brasileira tem uma grande importância não só no Brasil, mas no mundo, tendo sido um dos expoentes do movimento neoconcreto. Mas disso a gente já sabe! Falecida em abril de 1988, a criadora dos Bichos tem muitas histórias que nós não conhecemos ou que deixamos passar de alguma forma, mas que são muito interessantes de serem sabidas para compreender melhor toda a vastidão seja de sua vida ou de sua obra: ou das duas juntas, já que sempre se encontraram!
Por isso, separamos algumas curiosidades sobre a artista que encontramos em trechos de seus diários, disponíveis em trabalhos acadêmicos realizados sobre a artista e no acervo da Associação Cultural Lygia Clark, no Rio de Janeiro, que promove e preserva sua memória.
1. Lygia Clark é seu pseudônimo.
Lygia nasceu Lygia mesmo, mas não nasceu Clark. Filha de uma família de juristas, ela foi a terceira de quatro filhos de Jair Pereira Lins e Ruth Mendes Pimentel… E foi batizada “Lygia Pimentel Lins”.
2. Lygia participou de mais de um movimento artístico.
Muitos se fala da Lygia artista como uma das pioneiras e fundadoras do neoconcretismo, mas ela também atuou nos movimentos da Arte Conceitual e do Concretismo. Só depois, em 1959, ela assinou o Manifesto Neoconcreto ao lado de nomes como Amílcar de Castro, Franz Weissmann, Lygia Pape e Theon Spanudis.
3. Relatava seus sonhos como se fossem profecias.
Em seu diário, Lygia registrava muitos de seus sonhos. Em livro de Rosalind Krauss, há um trecho desse diário no qual ela fala sobre o sonho como se fosse uma profecia do que aconteceria no mundo real:
“(…) No interior que está o exterior, uma janela e eu. Através desta janela quero passar para o exterior que é o interior que procurava é o espaço exterior. O Bicho que chamei de “dentro e fora” nasceu desse sonho. É uma estrutura de aço inoxidável, flexível e deformável. Há um vazio no centro da estrutura. Quando você o manipula, esse vazio interno dá à estrutura aspectos completamente novos. Eu considero “dentro e fora” como a conclusão dos meus experimentos com os Bichos (…) muitas vezes eu acordo diante da janela do meu quarto procurando o espaço exterior como se estivesse “dentro”.”
4. Foi paciente de Jacques Fédida.
A psicanálise foi muito importante na vida da artista, tendo ela feito análise durante muito tempo… Mas durante o período que morou em Paris, Lygia tinha sessões de análise com um psicanalista bastante famoso, o francês Pierre Fédida, um dos nomes mais importantes da área na segunda metade do século XX.
5. Adorava trocar cartas.
Durante o tempo que viveu em Paris, se comunicava muito através de cartas com seus amigos. Existem muitos registros dessas cartas. E ela sempre fazia questão de buscá-las e lê-las. Em uma resposta à Hélio Oiticica, ela conta:
“Chegando hoje de Stuttgart, fui direto à Embaixada (exausta – meu pé cresceu já uns dois pontos – será elefantíase?) para buscar a carta que havia chegado para mim – Era sua! Valeu todo o meu cansaço pois cheguei pisando como uma velha de 80 anos… Você nem imagina a alegria que senti pois uma carta é sempre um pedaço da pessoa, e a gente lê uma, duas, três vezes tal a fome, que é a saudade, que a gente sente dos amigos!”
6. Era fascinada por escorpiões.
Em uma dessas cartas, datada de 22 de maio de 1969 e endereçada ao crítico de arte Mário Pedrosa, Lygia contou que se comoveu bastante com um documentário sobre a vida de escorpiões que assistiu na televisão! Os artrópodes se tornaram, então, objetos de interesse da artista. Ela se viu no animal, caracterizando ele como “seu retrato” por conta da forma como ele é solitário.
Ah! E seu signo era escorpião. E ela tinha certa crença nisso. Em carta enviada a Hélio Oiticica, em 1964, ela diz: “Tenho vontade de comer todo mundo que amo e que se ache aí… coitado do Peter quando chegar! Bom, vamos moderar esta voracidade senão… bem passarei o resto da minha vida na cadeia como Genet, como devoradora de machos (o meu signo é escorpião, lembra-se)”.
7. Tem uma música de Caetano em sua homenagem.
A partir da obra Pedra e Ar (Stone and Air), de 1966, Caetano Veloso decidiu homenagear a Clark em 1971, criando a música If You Hold a Stone. O músico brasileiro experimentou o método da “estruturação do self”, proposto pela artista. Eles se conheceram enquanto Caetano estava em seu exílio, em Paris, e Lygia morava por lá.
8. Queria tornar sua arte acessível a todos.
Em 1963, a artista disse que gostaria que as proposições de sua série Bichos não eram para ir para museus ou galerias, mas para serem vendidas em todos os lugares, inclusive nas esquinas, por camelôs. Ela queria que fossem feitos vários dos objetos para e que fossem precificados de modo que várias pessoas pudessem adquirir, democratizando o acesso à sua arte.
9. Renunciou ao rótulo “artista”.
Lygia preferia ser chamada de “propositora” do que de artista. Ela abdicou de ser o tipo de “artista” que o cenário das artes visuais da época queria que todos fossem. Ela abdicou de modificar seu caminho para se encaixar nos padrões. Para ela, o fato de que seu trabalho havia se tornado algo completamente gestual fazia com que ela estivesse fora dos esquemas de arte que existiam na época, após ter deixado de criar objetos. Inclusive chamava seus trabalhos não de “obras de arte”, mas de “proposições”.