Arte feita para ser consumida pela internet é arte? A resposta é sim! E existe até um termo para isso, é a net art. E não é de hoje que ela faz sucesso entre os artistas que trabalham com plataformas digitais de criação e difusão. É um movimento que surgiu, acredite, logo nos primórdios da popularização do www, no começo dos anos 90!
A aparição deste movimento não é só fruto de uma inovação tecnológica, mas também de um processo de transgressão de artistas que buscavam se desvencilhar de um circuito muito fechado na época. Para entender isso, é importante ver o que dizem os UBERMORGEN, JODI, Vuk Cosic e Olia Lialina. Os quatro foram pioneiros da net.art e tem declarações muito mais políticas do que propriamente conceituais ou estéticas sobre o movimento, que foi uma vanguarda para o pensamento das artes digitais e como elas são vistas pelo mercado.
Cosic, inclusive, foi quem cunhou o termo após receber um e-mail de um desconhecido, em 1995, com uma mensagem escrita em código binário chamado ASCII. Decodificada, essa mensagem formava “net.art”. Mas o que é um ASCII? Veja abaixo The Birds, uma obra de uma série na qual Vuk Cosic utiliza o código para formar imagens!
É difícil pontuar todos os aspectos da vida que foram transformados por computadores. A arte também se tornou digital, e não apenas no sentido de que obras antigas foram digitalizadas – elas foram, mas esse não é o ponto aqui. A questão é que a arte que surge ali só podia ser entendida e experimentada online.
Assim, se formos considerar a própria Internet, o intermediário no mundo da arte foi excluído pela primeira vez. E ali, naquele momento, passaram a surgir experimentos artísticos que utilizavam como ferramentas de criação navegadores, códigos de desenvolvedor, scripts, dentre outras coisas.
“Mas os net artists não foram os únicos a experimentar essas novidades. Na verdade, todo mundo que estava criando suas primeiras páginas da Web na época estava mergulhando em um oceano de ocupações desconhecidas e inesperadas, que em muitos casos mudariam completamente a vida de uma pessoa”, contou a artista Olia Lialina em entrevista a Domenico Quaranta na Spike Art Magazine, em 2016.
E hoje?
Bem, como sabemos e experimentamos, muita coisa se desenvolveu no campo dos www daquela época até aqui. Piscamos os olhos e um software novo é lançado, uma ferramenta nova aparece, tudo é atualizado numa velocidade considerável! Tudo isso pode ser utilizado por artistas que trabalham com internet.
Aqui no Brasil surgiu, em 2017, a plataforma aarea.co! Criado por Livia Benedetti e Marcela Vieira, o projeto já comissionou 30 edições. Pedro Caetano, Roberto Winter e Nuno Ramos foram alguns dos artistas que já ocuparam com suas obras o aarea.co. Neste momento, a obra Botão, de Jac Leirner, está em mostra na plataforma.
Frame de Botão, de Jac Leirner. Frame de A Role Play, de Roberto Winter.
Hoje, especialmente com o impulso das redes sociais, vemos uma série de criações tomarem forma nas próprias plataformas, especialmente via aplicativos. As tantas possibilidades de criação oferecidas por ferramentas de edição, filtros, adição de músicas e sobreposições, dentre outras coisas, são prato cheio para a mente de um artista!
Isso já vem sendo feito há bastante tempo e tem ganhado olhares curiosos e interessados de curadores e instituições principalmente. Lembremos que, em 2019, a obra Memelito, do coletivo Saquinho de Lixo (originalmente uma página de memes no Instagram), foi incorporada ao conjunto de trabalhos exibidos na exposição À Nordeste, no Sesc 24 de Maio. Mas é importante frisar que em tempos de isolamento social, como o que vivemos agora por conta do novo coronavírus, a produção de arte na internet e para a internet torna-se ainda mais comum, sendo não só uma possibilidade, mas uma necessidade de expressão para muitos.
Edgar Kanaykõ Xakriabá é um dos artistas que têm experimentado essas variações. Falamos dele na lista de artistas que fazem parte de etnias indígenas no Brasil e apresentamos seu trabalho como fotógrafo. Mas, para além disso, ele tem criado pinturas digitais fazendo o uso da ferramenta de desenho/pintura que a função Story do Instagram oferece.
Outro que tem feito o uso da mesma ferramenta é o artista Gustavo Von Ha, que sempre trabalhou experimentando novos meios. Ele conta que sempre usou os stories de Instagram como um diário. Há pelo menos quatro anos tem produzido conteúdos a partir de coisas que acontecem ao longo dos dias. Gustavo recorta aquilo que vê disponibilizado nas redes, como notícias ou memes, e vai fazendo associações “que aparentemente não combinam, mas vão surgindo na mesma semana ou mesmo dia e ganham um novo sentido”, diz. Sua primeira experiência com criação de trabalhos para a internet, porém, aconteceu e 2011: “Desde então eu jogo com a internet”.
Nesta quarentena, com o “estar em casa”, o interesse das pessoas por sua produção se intensificou. “A repercussão disso e a maneira com que comecei a pensar estando em uma quarentena é estar dentro de uma residência artística, só que de uma forma obrigatória. Então, comecei a pensar muito sobre o sentido das coisas, das ideias que nascem nesse lugar”.
“Eu acho que é possível ter uma experiência nesse lugar, com coisas que nascem nesse lugar. Eu acho que é diferente de uma experiência de você acessar o Instagram de um museu e olhar as imagens que são reproduzidas. Aquilo é só uma reprodução. É diferente quando você clica em um vídeo, por exemplo os stories, que permitem uma edição on-line. Aquilo nasce já na hora que a gente clica”, diz Gustavo.
Muitos trabalhos de net art produzidos ao redor do mundo podem ser conferidos na Rhizome ArtBase, baseada “na internet” e no New Museum, em Nova Iorque. Ela é uma plataforma que foi criada para abarcar práticas artísticas vinculadas à tecnologia.
E você? Tem consumido net art? De quais formas ela tem se apresentado para você?