Como arte muda em resposta a desenvolvimentos tecnológicos? Essa pergunta foi feita ao longo do século 20, enquanto o mundo ficava cada vez mais tecnológico e conectado, mas parece mais pertinente agora. Em 1935 o sociólogo Walter Benjamin a “era da reprodutibilidade técnica” acabaria com a aura da obra de arte e o mundo cada vez mais mecanizado e tecnológico significaria o fim da traição. No entanto, décadas depois o artista coreano Nam June Paik desafiaria essa suposição. Considerado o pai da video art, Paik provou inúmeras vezes que a tradição pode estar conectada ( no melhor sentido da palavra) com a tecnologia, mostrando como as máquinas poderiam ser uma força positiva para a cultura, capaz de reter os melhores aspectos do passado e levar a arte a um futuro inovador.
Conhecido por esculturas monumentais compostas por televisões de tubo, Paik nasceu em Seul em 1932, mas morou e trabalhou no Japão, Alemanha e EUA, explorando experiências musicais, cinema, performance, teatro e novas mídias. Ele estava consciente do fato de que qualquer bom artista contemporâneo teria que abraçar a vanguarda da inovação tecnológica enquanto entendia os limites de seu mundo material e do passado. Mas, durante a década de 1960, passou a se interessar pelo Zen – o que o levou a colaborar em uma série de obras com o compositor americano (e colega praticante de Zen) John Cage. Logo em sua primeira individual, em 1963, Paik propôs uma síntese entre práticas coreanas tradicionais e do budismo zen com a tecnologia ocidental, abraçando os aspectos imateriais e espirituais de mundos aparentemente díspares. Foi nesse período em que ele criou obras como Zen for Head , de 1962, Zen for Wind, 1963, and Zen for TV, de 1963 – interessante pensar na linha estática do últimos e nos atuais crescentes aplicativos para meditação! Outro exemplo interessante é a icônica TV Buddha, de 1974, na qual o artista combina uma escultura budista tradicional do século 18I com câmeras de circuito fechado.
Um dos primeiros líderes do movimento Fluxus, Paik priorizou o processo em detrimento do produto, subvertendo a crescente comercialização da indústria da arte. E permaneceu na vanguarda apostando e acreditando nos usos positivos e interativos da mídia eletrônica: Durante o final da década de 1970 e o início da década de 1980, a transmissão via satélite estava avançando rapidamente e Paik logo adotou esse novo espírito tecnológico produzindo numerosas obras de arte construídas com televisões explorando, ainda, a tecnologia dos satélites e transmissão ao vivo (experimentos que Joan Jonas também fazia na época).
Já nos anos 1970 ele propunha a construção da Electronic SuperHighway – uma rede que conectava pessoas de todo o mundo por meio de satélites, cabos e fibra ótica. Dizia que as conferências entre pessoas em diferentes locais por meio de telefones com vídeo colorido se tornariam comercialmente viáveis. É isso mesmo o que você está pensando: ele previu a internet, Skype, FaceTime e Zoom! ” Ou seja: sua compreensão sobre as mudanças passadas na tecnologia o deixou presentemente ciente dos futuros em potencial que estamos vivendo e demonstrou como os artistas podem ser, como diz o clichê, à frente do seu tempo. É interessante pensar, ainda, na obra TV Chair, de 1968, na qual o artista faz uma uma live muito antes do boom atual de um jeito leve e divertido, tirando sarro de si mesmo.
O projeto Good Morning Mr Orwell, por exemplo, foi programado para acontecer e ser transmitido via satélite espacial em 1984 – ano em que George Orwell previu, em seu romance distópico, que o mundo seria dominado por um totalitarismo comandado e possibilitado pela tecnologia. No vídeo de uma hora, o artista rejeita os medos do autor de 1984 e, em vez disso, celebra os usos positivos e interativos da mídia eletrônica que Orwell, o primeiro profeta da mídia, nunca previu. O projeto foi transmitido simultaneamente em inglês e francês em Nova York, São Francisco e Paris e contou com apresentações de John Cage, Merce Cunningham e Allen Ginsberg.
Na década de 1990, em A Pas de Loup, performou um ritual xamânico antigo para celebrar seu amigo íntimo e colaborador do Fluxus, Joseph Beuys, que faleceu em 1986. A obra também traz referências de sua infância, pois a mãe de Nam June Paik disse convidava um xamã para sua casa regularmente, e ele dizia se lembrar de todo o processo do gut ou ogu-gut: um tipo de ritual xamânico coreano usado para guiar espíritos mortos para o céu.