Um museu sobre a cultura indígena gerido por agitadores, pensadores e artistas indígenas! Quinhentos e vinte e dois anos depois da invasão, o Brasil finalmente começa a dar um pouco de voz aos povos originários: esta semana os paulistas comemoram a abertura do Museu das Culturas Indígenas, no Complexo Baby Barione, ao lado do Parque da Água da Branca.
Sob direção Cristine Takuá e Carlos Papá Mirim, o novo museu tem sete andares, com 200m2 cada, totalizando 1.400m2 de àrea total. mas apenas 3 andares estão plenamente ocupados: o último conta com uma seleção de vídeos de músicos com curadoria de Denilson Baniwa e os outros dois são ocupados por obras de Xadalu Tupã, curadas por Sandra Benites. Ambas as exposições expressam, de diversas formas, as violências vividas pelas aldeias que estão próximas das cidades grandes e os danos da influência ocidental nas comunidades contemporâneas – o que Xadalu chama de “neo-invasão colonial”.
Denilson usa a metáfora do YGAPÓ, do tupi antigo “raízes d’água”, para falar sobre a resistência indígena que, mesmo em constante ameaça, é guiada pela coletividade e pelo compartilhamento de saberes para tornar possível uma futura existência. “YGAPÓ é um ecossistema formado nas mais antigas regiões geológicas da terra, proveniente de milhões de anos para que a flora resistente pudesse enfrentar as condições de contínuas mudanças e um terreno pobre em nutrientes” , explica o artista-curador. Para expor esta força, ele convidou 10 artistas ou grupos para mostrar trabalhos musicais – desde os já badalados Katú Mirim e Owerá, com os vídeos mais bem elaborados até os raps de Kaê Guajajara e a dupla Oz Guarani. Vale destacar, ainda, a música do Forró NB, criado pelos índios Kayapó, no interior do Pará. “A dança, o canto, o fazer com as mãos e a conexão com as florestas são caminhos para a continuidade da cultura e da vida. Mesmo que as árvores caiam, sua matéria orgânica torna viável o nascimento de outras ainda mais fortes”, completa.
As mesmas preocupações e reflexões parecem permear também pelos trabalhos de Xadalu Tupã. Na instalação Invasão Colonial meu corpo nosso território, por exemplo, ele retrata índios das invasão terras Guaranis Mbya com coletes de bala e uma inscrição do próprio nome. O artista chamou atenção para uma invasão de milícias no território Guaranis Mbya. Os oficiais os ameaçaram atirando, induzindo a saída dos indígenas da região. E revela uma das frases de seu irmão, Karai Mirim (cacique Timóteo), quando esteve sobre a ameaça: “ Não me importo que vocês apontem essas armas para mim, pois qualquer um pode fazer isso contra mim, sou pobre não tenho mais nada e estou nessa situação, mas o que eu queria ver mesmo era ver se você consegue apontar a arma para aquilo que eu acredito. Aí sim eu queria ver se você teria forças para apontar para o trovão, o sol, o vento e a chuva. Isso você nunca vai conseguir. Nunca”.
Outro destaque é o milho – elemento sagrado em muitas culturas indígenas em toda a América que aparece em diferentes trabalhos de Xadalu. O artista busca ressaltar o quão prejudicial é o cultivo de alimentos transgênicos. “Eles acabam contaminando os alimentos cultivados na aldeia e causam doenças fatais”, denuncia o artista. O milho é uma objeto sagrado na cultura Guarani Mbya pois somente com o milho original é possível dar continuação na cultura Indígena Mbya . É o objeto que faz a ligação do mundo espiritual com o físico e, por isso, o alimento é usado na cerimônia chamada Nhemongarai (revelação) onde os indígenas descobrem de que cidade celestial suas almas veem. Com essa informação, eles descobrem sua missão aqui na terra para depois voltar ao lugar de origem. Vale notar, ainda, a instalação onde ele traz a forma da cruz revestida por um plástico preto sobre imagens perturbadoras de indígenas sendo massacrados. O recado está mais que claro: toda violência contra a cultura indígena parece ter começado com a agressão missionária e as consequências são irreversíveis. Talvez este museu seja um primeiro passo para alguma espécie de reparação histórica. Se é que isso é possível.