“Sempre estive interessado no potencial de alguns artistas brasileiros como desafio à arrogância e à cegueira da minha própria cultura e sociedade – suas limitações”. Esta declaração do crítico e curador britânico Guy Brett está publicada em entrevista a Marcio Doctors na saudosa Galeria: revista de arte, em de 1989.
Falecido na última terça-feira, 2 de fevereiro, Brett mergulhou no cenário da arte brasileira na década de 60, tendo sido responsável por fomentar a expansão de nomes como Lygia Pape, Hélio Oiticica e Mira Schendel no exterior. Diagnosticado há alguns anos com a doença de Parkinson, tinha 78 anos de idade. A morte foi confirmada por sua filha a pessoas próximas, que prestaram homenagens a ele em suas redes sociais.
O entusiasmo de Brett em relação à latino-americana, especialmente à arte brasileira, foi crucial para que nosso cenário fosse conhecido no exterior. Ele capitaneou uma série de publicações, exposições e vários materiais que ajudaram na internacionalização de artistas brasileiros. Também foi cofundador da importantíssima galeria Signals, em Londres, e promoveu o grupo Artists for Democracy. Sua curiosidade e sua disposição para ir além da caixinha ocidental eurocêntrica também estimulou o conhecimento sobre artistas de outros locais que eram colocados à margem do mercado, das instituições e da academia, como sobre a palestina Mona Hatoum e o filipino David Medalla, falecido no último dezembro.
O trabalho produzido por ele nessas seis décadas fez com que ele se tornasse referência extrema no assunto, se tornando também alguém muito admirado e querido por aqueles que o conheceram. Nas manifestações de condolências nas redes sociais, é possível perceber um sentimento geral de gratidão a ele de pessoas de diferentes áreas e lugares do mundo.
Em seu Facebook, o crítico, professor de história da arte e pesquisador Paulo Sérgio Duarte lamentou a partida de Brett. Para ele, o britânico foi “o responsável por emancipar a arte contemporânea brasileira, tratando-a de igual para igual com a arte produzida acima do equador”. O Instituto de Arte Contemporânea (IAC) disse que Guy foi “grande amigo e parceiro, o maior divulgador da arte e dos artistas brasileiros no exterior” e compartilhou uma carta que ele endereçou à presidente da instituição, Raquel Arnaud.
Professora da UFRJ, a artista Katia Maciel postou uma mensagem onde descreve a sensação de estar no mesmo ambiente que ele: “A presença de Guy Brett gerava uma atmosfera, era preciso parar para ouvir, era preciso parar para ser ouvido. Uma certa intensidade pairava no ar, o humor do sorriso breve emendava a conversa. A precisão no ritmo de uma fala que parecia estar escrita. Para ele cada artista era um universo que não cabia em fronteiras particulares”. Para o curador, professor e crítico de arte Tadeu Chiarelli, Brett foi “inglês que fez mais pela arte do Brasil do que muito brasileiro por aí”.
A curadora Julieta González, que hoje é diretora artística do Museo Jumex (Cidade do México) e colabora em diversas exposições e publicações do MASP, escreveu em seu Instagram sobre como foi o seu contato com Brett, primeiro em um catálogo de exposição, depois em livro e, então, pessoalmente. “Obrigado por me dar uma direção e tantas idéias brilhantes Guy Brett. Foi um privilégio conhecê-lo”, finalizou. A historiadora da arte e diretora artística do MACBA (Barcelona), Tanya Barson também relembrou suas experiências com ele e o descreveu como um “modelo impecável” a ser seguido.
Por sua vez, Paula Terra-Neale, curadora à frente do Terra-Arte, publicou no Instagram do projeto: “Sinto-me como todos os outros, entristecida, mas privilegiada pela oportunidade que tivemos de ter compartilhado companhia, arte, obras, inaugurações, exposições, ideias e sonhos com esse cara incrível, em letras maiúsculas”. Ela finaliza: “Um crítico com alma de artista”.