Mercado em alerta: enquanto o sistema entra em crise, o Sul Global ganha espaço

Entre colapsos e reinvenções, o setor busca alternativas mais sustentáveis — e menos exaustivas. Nesse cenário, o Brasil e outras regiões do Sul Global começam a ocupar um novo lugar no mapa

por Diretor
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Prévia beneficente da The Art Show 2023. Foto: Scott Rudd Productions

Em um sinal claro de que o mercado de arte enfrenta grandes transformações, a Art Dealers Association of America (ADAA) anunciou na última semana o cancelamento da edição 2025 da tradicional feira The Art Show. A justificativa oficial foi uma “pausa estratégica”, mas, no subtexto, a decisão está sendo interpretada como um mal-estar estrutural, já que o sistema que sustentou o crescimento das últimas décadas está exaurido. Iniciada em 1988, a feira é considerada um evento-chave para colecionadores do Upper East Side. Sua noite de gala beneficente já arrecadou mais de US$ 38 milhões para a organização social Henry Street Settlement ao longo de três décadas.

O cancelamento da feira se soma a uma sequência de fechamentos de galerias importantes. A Blum & Poe, com sedes em Nova York, Los Angeles e Tóquio, anunciou o fim de suas operações físicas após 31 anos. Para Tim Blum, o problema não era apenas financeiro: “o verdadeiro desgaste estava na natureza insustentável do modelo — uma engrenagem implacável, como uma roda de hamster, em que mesmo os anos de destaque eram seguidos pela pressão de recomeçar, muitas vezes sem gerar excedente ou estabilidade real”, declarou ao The Art Newspaper. A também influente Venus Over Manhattan, de Adam Lindemann, encerrou as atividades em Nova York com um manifesto sobre a “indignidade dos comitês de feiras” e o isolamento dos dealers no sistema atual.

Em paralelo a David Lewis Gallery (Nova York) e Marlborough Gallery (Londres) também anunciaram seus encerramentos. E, na França, uma pesquisa da CPGA revelou que 85% das galerias estão pessimistas com o cenário atual, sendo que 20% registraram queda superior a 20% nas vendas em 2024.

Julie Mehretu, TRANSpaintings (night seam), 2024. Coleção particular, Nova York. Vista da exposição A Transcore of the Radical Imaginatory, Museum of Contemporary Art Australia, Sydney. Cortesia da artista e do Museum of Contemporary Art Australia. © Julie Mehretu. Foto: Zan Wimberley

Um mercado retraído e fragmentado

Dados recentes da ArtTactic confirmam: as vendas globais em leilões caíram 6,2% no primeiro semestre de 2025, após uma queda de 27% em 2024. Mais grave ainda, o setor central (contemporânea e pós-guerra) sofreu um recuo de 19,3%, puxado pela ausência de lotes de alto valor e pelo medo dos consignatários de arriscarem seus “trophies” – obras de artistas altamente reconhecidos e valorizados, como Warhol, Picasso, Basquiat, Rothko, Giacometti, que funcionam como símbolos de status para os colecionadores.

Em contrapartida, foi o segmento de bens de luxo que segurou parte das receitas das grandes casas de leilão. A Christie’s vendeu uma joia do século XVIII por US$ 14 milhões, enquanto relógios foram 35% das vendas na Phillips. Já a Sotheby’s viu crescer 189% sua categoria de memorabilia esportiva — com destaque para a camisa de estreia de Kobe Bryant vendida por US$ 7 milhões.

A disparidade de desempenho entre setores expõe o esgotamento do modelo especulativo que alimentou o boom dos anos 2010. Os chamados blue chips perderam atratividade, enquanto artistas do Sul Global e nomes historicamente marginalizados ganham visibilidade — como no caso do recorde batido pelo indiano MF Husain (US$ 13,7 milhões).

Foto: Hannah Traore e Shawn Ghassemitari. Reprodução da matéria “The Next Generation of Collectors: Hannah Traore” publicada pela HypeArt/Hypebeast em abril de 2023

A retração no mercado de arte também está ligada a uma mudança geracional e de valores. A nova geração de colecionadores não busca apenas adquirir obras, mas sim se conectar com produções que expressem princípios ambientais, sociais e culturais. Esse público evita a lógica da ostentação e valoriza narrativas menos convencionais, muitas vezes vindas de artistas historicamente marginalizados. Ao mesmo tempo, o cenário macroeconômico exige cautela: inflação, juros elevados e tensões geopolíticas têm desestimulado a compra de ativos considerados arriscados, como a arte. Sem fôlego financeiro, muitas galerias encontram dificuldade para atravessar períodos prolongados de baixa liquidez ou inadimplência.

“Não está funcionando. E nunca funcionou.”

O que está em crise não é só a economia do sistema, mas sua lógica de funcionamento. A cada semana, galeristas denunciam os altos custos de feiras, o calendário insano e a competição desenfreada por espaço e atenção. “Não está funcionando. E nunca funcionou”, resume Tim Blum. Para Adam Lindemann, a estrutura atual destrói pontes: “Os dealers não confiam em você, e os colecionadores torcem o nariz.”

O efeito cascata se espalha. Na França, segundo a CPGA, nenhuma galeria aberta após 2015 conseguiu se internacionalizar ou integrar o circuito das grandes feiras. O risco, segundo o presidente Philippe Charpentier, é “atrofiar o mercado e comprometer a projeção internacional de nossos artistas”.

Ao mesmo tempo, cresce a judicialização de questões de valor. O bilionário Ron Perelman, por exemplo, está no centro de um processo de US$ 410 milhões com seguradoras, alegando que obras de Warhol e Twombly “perderam seu oomph” após um incêndio — mesmo sem danos visíveis.

Vistas da instalação de Blinded by the Light, Casa da Cultura da Comporta, Comporta, Portugal, 11 de julho – 30 de agosto de 2025. Foto: Carolina Pimenta. Cortesia de Fortes D’Aloia & Gabriel, São Paulo/Rio de Janeiro, e Mendes Wood DM

O que vem agora?

Entre a retração e a reinvenção, surgem alternativas. Galerias como a Fortes D’Aloia & Gabriel apostam em modelos colaborativos e expositivos fora do eixo, como a mostra de verão em Comporta (Portugal) com a Mendes Wood DM. A exposição, que inclui pinturas de Marina Rheingantz, Antonio Társis, Erika Verzutti, entre outros, já gerou vendas expressivas, apesar do “sentimento cauteloso”, segundo o galerista Alexandre Gabriel.

Ao mesmo tempo, formatos mais lentos e flexíveis começam a ganhar tração: mostras de longa duração, parcerias curatoriais e vendas privadas têm substituído o circuito exaustivo das feiras.

Outro movimento importante é o crescimento do interesse por artistas e galerias do Sul Global, especialmente da América Latina, que ganham espaço à medida que colecionadores buscam narrativas menos eurocentradas. O destaque recente de nomes como do artista indiano MF Husain – com recorde de US$ 13,8 milhões – reforça essa guinada em direção a outras geografias e histórias.

Joe Kennedy, da Unit Gallery (Londres), resume o sentimento de uma geração que está repensando o mercado de dentro:

“Quando o mercado está apertado, pode ser excitante. É um terreno fértil para mudança.”

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