O artista mexicano Bosco Sodi se conectou há algum tempo com a “Wabi Sabi”. Trata-se de uma filosofia oriental um tanto complexa para explicar aqui em poucas palavras, mas basicamente ela defende a vida e a estética que aceita a transitoriedade e a imperfeição. Com base nessa ideia, o artista vem trabalhando, ao longo dos últimos anos, a partir da materialidade e da passagem do tempo. Suas obras expostas na mostra Curved Surfaces, na Luciana Brito Galeria, nos instigam, portanto, a pensar sobre a relação entre arte, sustentabilidade e sociedade.
Interessado pela potencialidade dos materiais de origem natural e dos conceitos e valores tradicionais la- tino-americanos, Sodi conta que começou a fazer aulas de arte porque tinha dislexia, déficit de atenção e era hiperativo. “Para mim é muito importante tocar nesses materiais. Mexer com o barro era a única coisa que me acalmava. Arte sempre foi uma terapia para mim e por isso sempre fiquei mais envolvido pelo processo do que pelo resultado final”, explicou o artista em entrevista exclusiva ao AQA.
Muito provavelmente foi dessa experiência na infância que surgiram suas já famosas Perfect Bodies, esferas produzidas a partir de blocos de argila extraídos do solo de Puerto Escondido, em Oaxaca, no México, onde o artista nasceu, mantém a Casa Wabi – residencia artistíca que recebe criativos de todo o mundo.. “É um lugar para promover a integração entre a criação, a matéria e a natureza. E a única obrigatoriedade é que o artista faça um projeto que envolva a comunidade local, explica o artista. “Perfeitamente imperfeitas”, as esculturas são moldadas pelas mãos do artista, para então sofrerem um processo natural de maturação por meio da secagem na sombra e no sol, além da queima em forno rústico criado pelo próprio artista. A ideia é trabalhar com a imprevisibilidade, descontrole e acaso.
Bosco explica, ainda, que esse seu encanto pelo barro pode ser explicado pelo fato do material trabalhado reunir os quatro elementos da natureza – água, terra, fogo e ar. “ Isso faz com que seja uma matéria conectada diretamente com a essência do ser humano”, resume Bosco. Ao sugerir formas geométricas para um elemento tão orgânico, o artista acaba propondo uma contraposição, uma fricção. Há, aqui, uma ligação forte com movimentos fortes dos anos 1960 como o Minimalismo americano, a Land Art.
A mostra apresenta, ainda, duas pinturas texturizadas inéditas, realizadas com materiais orgânicos e pigmentos naturais, a partir de processos ininterruptos do artista. As pinturas acabam assimilando também as casualidades e transformações causadas pelo tempo e pela exposição aos fenômenos naturais, tornando-se, cada qual, únicas.
Durante a pandemia, o artista se refugiou na Casa Wabi, onde depois de algum tempo não havia mais materiais para pintar. Ao observar a chegada de comida em grandes sacos de juta, Bosco subverteu a lógica da arte tradicional e começou a pintar as fases da lua e do sol – que podia acompanhar naquele lugar paradisíaco. Nasceram, assim, as séries Sun Paintings e Moon Sack Paintings, também presentes na exposição, que ainda carregam o aroma das pimentas que chegaram em Oaxaca.
Bosco acabou recuperando, com este gesto, as diretrizes da Arte Povera: criar com materiais “pobres”, que estão ao alcance das mãos ,para instigar o próprio sistema e mercado de arte. “É interessante pensar que a Arte Povera nasceu no pós-guerra, quando o mundo vivia grandes incertezas e uma miséria avassaladora. Sinto que o mesmo aconteceu com essa pandemia. Então, precisamos criar com o que temos”, reflete.
Curved Surfaces
Data: Até 14 de maio
Local: Luciana Brito Galeria
Endereço: Av. Nove de Julho, 5162 – Jardim Europa, São Paulo
Funcionamento: segunda, de 10hrs às18hrs; terça à sexta, de 12h às 19h; e, aos sábados, das 11h às 17h
Ingresso: Grátis