Existem aqueles que aprendem a ser artista e os que nascem artista – o corpo pulsa e tem sede de criação e esta necessidade de se expressar geralmente é bastante presente em suas obras. É o caso da mineira Solange Pessoa, representada pela Mendes Wood DM em São Paulo, cujas esculturas e desenhos expõem uma vitalidade única. Depois de três anos em processo de edição, a Circle Books lançou, semana passada, um livro monográfico sobre o trabalho da artista brasileira que levanta trabalhos de toda a carreira de Pessoa, desde seu início no final dos anos 80 até o presente, e incluindo seleções dos cadernos e arquivos da artista – reunidos em 432 páginas. A publicação conta, ainda, com textos dos curadores e pesquisadores acadêmicos Cecilia Fajardo-Hill, Eduardo Jorge de Oliveira e Alex Bacon, além de uma entrevista com Liz Munsell.
Já conhecida por uma linguagem própria, Pessoa usa referências da natureza e suas diferentes organicidades e também experimentações estéticas rupestres para criar esculturas de argila, pedra-sabão, musgo, penas, couro ou pelo de cavalo e desenhos com linhas que deixam o gesto da artista como rastro ou memória. Vê-se surgir, então, espécies que carregam em si mais ou menos características dos três reinos — mineral, vegetal e animal — e transmitem a universalidade a partir de seus aspectos mais locais.”Os materiais existem em conexões com os pensamentos e intuições. São eles que nos chamam e nos escolhem, atraem nossa percepção e curiosidade, exigem pesquisas e observações argutas acerca de suas naturezas intransferíveis e seus mistérios”, explica a artista na entrevista com Liz Munsell. “Gosto de observar o desenvolvimento do musgo na pedra, as transformações das pátinas nos bronzes, o entrosamento dos vegetais nas cerâmicas. Muitos dos meus trabalhos são inseridos na natureza, pertencem a ela, repousam e coabitam seus espaços. É uma espécie de impulso vital e necessidade maior de sair das paredes, ruas, museus”, completa.
O trabalho escultural de Solange Pessoa, que muitas vezes mobiliza também materiais como cabelos humanos, cera e sangue de animais, evoca questões relacionadas a corpos humanos e animais, vacila entre beleza e abjeção e cria conexões formais entre tradições indígenas brasileiras e arte pós-animal internacional. Sobre as imagens que elabora, a artista comenta: “Muitas vêm de certos impactos causados por algumas imagens, visões, acontecimentos, descobertas, poesias, filmes, sonhos e outras clarividências. Algo ativo e transformador de forças, em constante movimento. Muitos trabalhos começam com coisas muitos simples que vão se transformando em coisas mais complexas, processos sinuosos, solidificando pensamentos. Minhas coisas não se prendem a conceitos, temas ou “poéticas” não obedecem a um programa ou meta, são imprevisíveis e estão sujeitas a transformações. Também vêm de um nada – vazio que precisa ser potencializado, voltando para as coisas mais essenciais e profundas (…) Procuram expressar a perplexidade da vida, o indizível, o espanto, o entorpecimento”. Prepare-se, então, para deliciar-se numa leitura intensa!