Do roubo de um par de sapatilhas vermelhas com a sua amiga, ainda crianças, ao empréstimo de uma cama que atravessou o atlântico para uma pessoa desconhecida. O livro Histórias Reais, da artista francesa Sophie Calle, da Editora Agir, poderia ser considerado um livro-obra de fatos verdadeiros (ou não) vividos pela própria artista. Da sua infância, passando por diferentes relacionamentos, costurando fatos cotidianos, até chegar nos dias atuais.
Desde o começo do século, o limiar entre o que é público e o que é privado tem sido discutido e vivido em diversas formas pela sociedade. Como, por exemplo, nos programas de televisão como Big Brother Brasil, na Globo, A Fazenda, na Record, ou, ainda mais atual, De Férias com Ex, na MTV. Todos eles mostram o interesse do público pelo universo íntimo de cada um. E, neste contexto, muitos artistas desenvolvem a sua pesquisa e seu trabalho transformando a própria vida em arte.
As curtas, mas muito envolventes histórias do livro, por vezes até fantásticas, são sempre acompanhadas por imagens de fotografias, bilhetes, cartazes e objetos que ajudam a construir a narrativa de lembranças nada monótonas da vida da autora. Todas elas agrupadas dão vida a um livro de catalogações, um pequeno museu pessoal em formato de diário.
Nos últimos capítulos, a artista, que se revela ex-stripper, foca em compilar as narrativas e tensões dela com o seu ex-marido, que conheceu por acaso em um bar em Nova Iorque, em um encontro um tanto irreverente. Este compilado reúne relatos do começo ao fim do relacionamento, o romance entre os dois, as traições e os rituais de finalização que ambos combinaram. Entre as histórias, um casamento de mentirinha realizado por um juiz de verdade, que contou com convidados, chuva de arroz e foto com vestido de noiva.
Além desses, outros textos sobre vitórias e fracassos fazem do livro uma deliciosa e misteriosa viagem pela vida dessa artista. Em seu trabalho, frequentemente descreve a vulnerabilidade humana e examina a identidade e a intimidade das pessoas. Ela é reconhecida por sua capacidade de detetive, seguindo estranhos e investigando suas vidas particulares.
Histórias Reais é hoje quase uma relíquia de colecionador, o que chega a dar a impressão de obra numerada, mas ainda é possível, com algumas pesquisas, encontrá-lo disponível em alguns sebos e sites de livros usados pela internet.
Por fim, Sophie Calle nos faz questionar aquela velha máxima: a arte imita a vida? Ou é a vida que imita a arte?