Manchas, erros, rasuras, rastros, estilhaços e fragmentos. O artista e poeta Omar Salomão lança esse mês uma publicação que se desenvolve em torno da falha e do acaso como potência criativa. Flutua sobre as ruínas, flutua, publicado pela Cobogó, traz 6 ensaios, aqui chamados de “lances” referindo-se a Stéphane Mallarmé, cujo poema Um lance de dados jamais abolirá o acaso se tornou um dos pilares das vanguardas do século XX.
As palavras são perpassadas por imagens, por vezes de páginas de cadernos que acompanham Omar no seu dia a dia ou de trechos de livros grifados que refletem suas próprias ideias. Há, dessa forma, um constante diálogo com as muitas vozes que vão construindo seus pensamentos, encontros e imprevistos. O ponto de partida foi um pequeno livro de Haroldo de Campos, Ruptura dos gêneros na literatura latino-americana, que Omar pegou aleatoriamente na estante que foi de seu pai – todo riscado, grifado e rasurado, revelando ao autor um pouco sobre a linha de pensamento de Waly Salomão. “Descobri ali a base do meu interesse: investigar a forma como conteúdo, a rasura e o vestígio como escrita poética, outras alternativas que não a letra diagramada sobre o cubo branco da página do poema”, escreve. Omar desenvolve, assim, suas reflexões sobre o tema a partir de três casos: as monotipias de Mira Schendel; a poesia visual de Edgard Braga; e, os Babilaques de Waly – que borra a letra, a linha e a si.
No lance dedicado à Schendel, por exemplo, ele revela um fascínio pelos desenhos em papel de arroz, datados de 1964 e 1966, justamente por explorar a liberdade e a delicadeza do gesto que traça formas abertas e imprecisas. As páginas oferecidas ao alagoano Edgar Barbosa e seus poemas gráficos e visuais nascem de um livro deixado num envelope pardo na portaria do prédio do artista. O livro traz uma pesquisa relevante e uma poética promissora – caminhos que são percorridos ao lado do caráter autobiográfico da publicação. Não à toa, fotos, cadernos, caligrafia e reflexões de seu pai aparecem entre reproduções dos cadernos de Omar, repletos de desenhos, pinturas, rabiscos, manchas, erros, rasuras, rastros, estilhaços, fragmentos…e poesia.