Realizado pela cientista política e historiadora francesa Françoise Vergès em 2019, o texto que compõe o livro Um Feminismo Decolonial é o primeiro a chegar no mercado editorial brasileiro que trata especificamente da teoria da decolonialidade dentro do movimento feminista. Em um momento muito acertado, no qual a atenção de diversas áreas das ciências humanas e das artes se voltam de forma mais responsável ao estudo desta teoria aplicada a muitos movimentos e desenrolares históricos.
Afinal, o que fazer depois que passamos pelas discussões do pós-colonial? Decolonizar o pensamento. E como fazer isso? Problematizando sempre o tal do pensamento, não se dando por satisfeito nas verdades carregadas pelas teorias que foram ratificadas ao longo de uma história construída por grupos sociais elitizados. Mas a ideia decolonial não se refere apenas a desmistificar o pensamento imposto pelo sistema colonial, mas de reconhecer e impulsionar a originalidades das culturas nativas.
O volume tem apresentação de Flávia Rios, professora da Universidade Federal Fluminense e coautora da biografia de Lélia Gonzalez, dentre outros. Também existe uma nota cuidadosa e atenta das tradutoras sobre a utilização do termo “decolonial” na língua francesa, idioma nativo do texto de Vergès. Elas ressaltam que, “na França, o termo costuma estar associado ao ativismo antirracista e a um amplo combate à xenofobia, destacando-se a defesa de imigrantes e descendentes de imigrantes vindos de ex-colônias”. No caso do Brasil, o termo “decolonial” é vinculado aos estudos do grupo Modernidade/Colonialidade/Decolonialidade (mcd), que é constituído por pesquisadores latino-americanos atuantes por aqui.
Portanto, ao tornar-se feminista, defende Rios na apresentação, é “preciso, também, problematizar o feminismo”. É isso o que Vergès, que é conhecida por suas posições radicais, vai tecendo no decorrer do livro. Não se pode pensar em um feminismo que não pensa na interseccionalidade, que não dialogue com questionamentos em torno de um processo de racialização e de divisão socioeconômica.
Nessa proposição, a Vergès aponta um alinhamento com as teorias de dissolução da hierarquização entre o Norte e o Sul global, estando em harmonia com as narrativas de muitas pesquisadoras que trabalham essas questões do lado “de baixo” do Equador, como Maria Lugones. Isso porque esses países foram o que mais sofreram e sofrem com os processos imperialistas carregados de violências concretas ou simbólicas, nas quais o domínio patriarcal é um dos fatores mais preponderantes.
Assim, ela explica: “O que eu quis destacar neste livro foram fatos simples, concretos e tangíveis que iluminam a estrutura profundamente racializada, estratificada e marcada pelo gênero que permite à sociedade burguesa funcionar há séculos”.
Para isso, é interessante também considerar a aquisição e a leitura especificamente do livro Miradas en torno al problema colonial: Pensamiento anticolonial y feminismos descoloniales en los Sures globales, organizado por Karina Ochoa Munõz, professora e pesquisadora da Universidad Autónoma Metropolitana, no México.
Com o pensamento decolonial estando cada vez mais presentes no ambiente da arte é cada vez mais importante que o mercado editorial promova o acesso de objetos como Um Feminismo Decolonial ao público brasileiro. Afinal, são indagações que atravessam muitas curadorias, muitos seminários e muitas propostas acadêmicas que se deslocam e desembocam pelo ambiente artístico, fomentando um pensamento crítico na nossa condição de colonizados.
A edição brasileira do livro de Vergès é feita pela editora Ubu e pode ser encomendada no site em pré-venda. As entregas começam a ser realizadas a partir do dia 1 de maio. O livro foi também o objeto oferendado pelo Circuito Ubu, um clube de assinaturas da editora, para seus membros no mês de abril.