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Livros AQA: Arjan Martins

Publicação apresenta mais de 100 telas do artista, textos de Paulo Miyada e Michael Asbury e uma entrevista com Arjan conduzida por Raquel Barreto

por Beta Germano
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Livro Arjan Martins, editado pela Cobogó
Livro Arjan Martins, editado pela Cobogó

“Naquela manhã, encontrei Arjan Martins na sala de exposição, com os olhos exaustos como os de quem sente demais”, escreveu o curador Paulo Miyada no livro recém publicado pela Cobogó sobre o artista carioca. Miyada descrevia o dia seguinte ao assassinato de Marielle Franco, quando encontrou o artista no Instituto Tomie Ohtake onde Arjan abriria uma exposição naquele dia.  

A observação do curador é um belo resumo de Arjan e seu trabalho. Com “olhos exaustos como os de quem sente demais”, o artista pinta personagens do passado e presente do Atlântico Negro com um trauma em comum:  o das travessias forçadas de sujeitos objetificados pela escravidão racial. Mas Ajan não se limita “apenas” à lembrança das feridas que marcam até hoje corpos que sofreram com a violência colonial. Ele mostra personagens contemporâneos que “chegaram lá”, como Marielle Franco, que venceram as perversas estatísticas por meio, essencialmente, dos seus  saberes. Entre caravelas, bússolas e mapas, vemos livros e óculos misturados a signos de empoderamento físico e psicológico: joias, fones de ouvidos, punhos erguidos e cerrados e posturas firmes. Arjan pinta  “a exigência de outro mundo – não amanhã, mas hoje, apesar de estarmos no meio de uma pandemia de dimensões catastróficas, ou por isso mesmo”, como ressalta o curador.

Rio setentista, por Arjan Martins, de 2013
Rio setentista, por Arjan Martins, de 2013

“Não estamos mais nessa de reescrever os caras, essa identidade mal resolvida não está mais nas artes visuais, está em nossa cultura”, ressaltou o artista em entrevista para o livro Espaços de Trabalho de Artistas Latino-Americanos. Sejam brasileiros, norte-americanos ou europeus, são igualmente filhos da diáspora, eles  habitam o cotidiano, caminham, trabalham, estudam, lembram e sonham. “Arjan Martins os representa aponta para esse vínculo ao mesmo tempo que reconhece que suas existências vão além da tarefa de se lembrar do trauma da violência colonial”, descreve Miyada.

Arjan nos convida a permanecer num estado contínuo de travessias ( procure por caravelas, bússolas e coroas) percorrendo África, a Europa e as Américas. Tratam-se de jornadas marcadas por histórias de resistências, decorrentes fluxos e refluxos físicos, simbólicos, políticos, culturais e existenciais.

Entre tempos distópicos, por Arjan Martins, de 2017
Entre tempos distópicos, por Arjan Martins, de 2017

A referência à Marielle Franco, portanto, não é apresentada à toa, desde a morte da socióloga e seu motorista, Anderson Gomes, o artista dedicou-se mais intensamente a trazer as tristes notícias dos jornais para suas telas. Sua morte foi um marco simbólico no combate à violação dos direitos humanos que só se intensifica no Brasil e no mundo. Evaldo Rosa, Ágatha Victória Sales Félix, João Pedro Mattos Pinto, Geroge Floyd,  Breonna Taylor, entre tantos outros, também viraram ícones do #blacklivesmatter desde o fatídico março de 2018 – de forma mais literal ou simbólica, todos tornaram-se potência nos pincéis de Arjan. 

“O que a aceleração da violência provoca é uma confirmação literal e dolorosa das denúncias feitas pelo movimento negro brasileiro há mais de cem anos em seu esforço de demonstrar o caráter incompleto e falacioso da abolição da escravatura no país”, aponta o curador.  Mas enquanto Arjan “inclua a si mesmo em uma perspectiva histórica que tem o trauma da diáspora como memória viva, ele também representa o presente e o futuro dos negros como algo aberto e múltiplo, que pode se desvencilhar dos ciclos de opressão e precariedade”, continua. 

Sem título, por Arjan Martins, 2019
Sem título, por Arjan Martins, 2019

A escuta, aqui, é ampla e alcança também sons de travessias e lutas coletivas. O artista também fala de outros fluxos contemporâneos ressaltando, por exemplo, a situação dos refugiados que cruzam diversos mares ( não só o Atlântico) em busca de dignidade e sobrevivência. Entretanto,  permanecem sempre o estado de “estrangeiro”, alheios às novas sociedades e direitos.   Em outros momentos o artista traz referências de crianças desamparadas, trazendo repetitivamente a imagem de uma garota fotografada por Sepp Werkmeister em Nova York dos anos 1960. Seu olhar de inocência e abandono saltam das telas. Outra imagem que o artista retoma é a do órfão Oliver Twist, de um romance de Charles Dickens. O artista explica: “Apresento personagens estigmatizados para inverter o olhar da História da Arte: crianças, mulheres, imigrantes, pessoas de outros tons de pele. Elas reivindicam um outro lugar no mundo, o de apenas ser”. 

O estrangeiro V, por Arjan Martins, de 2017

O livro conta, ainda, com uma preciosa entrevista entre o artista e Raquel Barreto, além de um ótimo texto de Michael Asbury sobre as referências fotográficas usadas pelo artista para compor as telas.

Sem título, por Arjan Martins, de 2020
Sem título, por Arjan Martins, de 2020

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