Para marcar o Dia Internacional da Mulher, o Arte que acontece promoveu um bate-papo com as artistas Leda Catunda e Lucia Koch, mediado por Esther Constantino, fundadora da plataforma, e Pollyana Quintella, professora de cursos promovidos pelo AQA, no auditório do MAM, na última sexta, dia 11.3. A plateia foi formada exclusivamente por mulheres.
Koch contou que Catunda foi um dos nomes que lhe deram a certeza de que poderia “ser artista de verdade e não apenas estudar arte”. “Na virada dos anos 1980 para os anos 1990, quando a presença feminina na arte já é evidente, começa um movimento de ‘vamos fazer exposições sobre o universo feminino’, que é um pouco uma estratégia do poder constituído para deixar as mulheres num ‘cercadinho’, mas isso é só porque já estávamos completamente dentro, algumas inclusive já eram fenômeno de mercado”, pontuou.
Lembrou que quando Catunda participava de sua segunda Bienal de São Paulo, aos 24 anos, foi capa da revista Veja e adjetivada de musa. “A gente não é musa, musa é o objeto do artista, a gente é artista. É uma operação perversa e visivelmente manipuladora”.
“A verdade é que a gente existe porque o trabalho da gente existe”, completou Koch.
Conforme resumiu Quintella, Leda Catunda (1961, São Paulo) se dedica, desde os anos 1980, a pensar e atuar dentro do campo pictórico testando e desafiando seus limites, dando origem ao que a própria artista chama de “pintura mole”. Trabalhos que, de alguma maneira, se projetam para o espaço e incorporam materiais como plástico e tecido. Algumas obras de Catunda estão agora em diálogo inédito com trabalhos de Judy Chicago no galpão da Fortes D’Aloia & Gabriel.
“O lugar da arte é o de refletir sobre a vida, sobre o mundo, também sobre valores, sobre a existência”, disse Catunda. Processo de reflexão que, segundo ela, foi enfatizado pela pandemia, momento em que fomos forçados a lidar constantemente com perdas e com a finitude da vida.
Catunda contou que, como a exposição da galeria foi adiada por conta da pandemia, teve um tempo maior para refletir sobre a natureza da obra de Chicago, artista que conheceu no início de sua formação por meio da icônica Dinner Party, que representa, para ela, a metáfora de “uma mulher para ser devorada em uma mesa de jantar”.
Ela conta que tentou se aproximar da obra da artista americana mais por uma atitude mais feminina do que feminista, “porque ela é muito mais incisiva nesse assunto do que eu”, optando por abusar de cores como o vermelho, o rosa e o laranja, por exemplo.
“Essa obra [Vermelha] é a mais empetecada que já fiz”, brinca. O adiamento também permitiu que tivesse mais tempo para trabalhar nas obras, criadas especialmente para a exposição. A globalização e a expansão das feiras e bienais trouxeram, segundo ela, uma aceleração angustiante para o tempo do ateliê. Dessa vez, com a mudança de datas, pode retomar um processo mais lento.
Quintella também fez uma rápida apresentação de Lucia Koch (1966, Porto Alegre), artista que se concentra nas relações entre arte e arquitetura, explorando como a luz transforma o modo como o espaço é percebido.
Koch aprofundou a discussão sobre o trabalho que desenvolveu para o Instituto Inhotim no ano passado. Para o projeto Propaganda ela optou por um caminho diferente daquele escolhido pela maioria dos artistas. Trata-se de uma instalação em Brumadinho que se desdobra para o museu, e não o contrário.
A artista chegou em Inhotim um ano após o rompimento da barragem em Brumadinho e já sabia que seu foco seria perceber como os moradores estavam lidando com a tragédia. Viu que havia explodido a quantidade de outdoors com anúncios de condomínios de luxo, carros importados e descobriu, mais tarde, que existe uma cultura no uso desses painéis e que indenizações milionárias haviam saído, influenciando nos hábitos de consumo das pessoas dali.
Koch resolveu então alugar outdoors, e, em vez de vender algo por meio deles, ocupou-os com imagens de produtos do dia a dia, como uma queijeira, que em close, lembram espaços arquitetônicos. “O que acontece quando você vê a mesma imagem em Brumadinho e em Inhotim? É o mesmo trabalho? É a mesma experiência? Isso necessariamente te faria pensar sobre a natureza do lugar, sobre a total dependência da imagem do seu entorno e do seu contexto, no caminho contrário da autonomia da obra de arte. E se eu vou pensar sobre a diferença que faz ver o painel em Brumadinho ou Inhotim, eu vou pensar que tipo de lugar é Inhotim, que tipo de lugar é Brumadinho, e daí eu chego no lugar aonde eu queria chegar”.