“Cada história conta um outro tempo, ensaia uma forma de percepção do futuro e arrisca desenhar afirmações de novos discursos simbólicos. Dessa maneira, Kika Carvalho, Mulambö e Gustavo Nazareno articulam um outro modo de circunscrição da presença negra na arte (…) projetam um futuro possível”, escreveu o curador Deri Andrade sobre a exposição Outros ensaios para o tempo, que abre hoje na galeria Nara Roesler, uma ocupação da galeria carioca Jaime Portas Vilaseca no espaço paulista – uma das exposições da Gallery Week que celebra a abertura da SP Arte online.
Separados geograficamente por estados brasileiros limítrofes – Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro – os três jovens artistas chamam atenção de curadores, colecionadores, galeristas e diretores de museus pelo frescor de suas pesquisas e pelas formas inovadoras com as quais trabalham a figuração. Os três investigam assiduamente as possibilidades oferecidas pelo gesto, cor, perspectiva, composição e narrativa, partindo de referências afro-religiosidades, de questionamentos do lugar social do corpo negro ou da própria história da arte, o trio de artistas ensaia um jogo entre semântica e estética”, ressalta o curador.
Kika Carvalho, um dos destaques da Enciclopédia Negra, já chega apresentando uma estética única e marcante: interessada em explorar as diversas possibilidades que emanam do azul, retrata corpos negros de amigos e conhecidos emanando a cor que evoca uma memória extraída da paisagem marítima de Vitória, cidade onde vive e trabalha. “Empenhada em pesquisar as origens dessa tonalidade de presença marcante, a artista indica que descobriu seus primórdios no Egito Antigo, milhares de anos antes da chegada do pigmento na Europa. Mais valioso até que o próprio ouro à época, nas pinturas da artista o azul é utilizado delicadamente para cobrir corpos negros retintos.”, revela o curador.
O carioca Mulambö também acredita numa paleta ainda mais marcante: insiste no vermelho e preto, cores recorrentes em representações de orixás, e no amarelo – um banho de ouro sobre os povos que nasceram para brilhar. Ele retira elementos e signos da própria História da Arte e critica a materialidade desse universo ao criar retratos sobre diferentes suportes, geralmente descartáveis, como o papelão. Uma referência a Carlos Vergara pode vir acompanhada, por exemplo, da foto da extinta Geral do Maracanã ou retratos de reis e rainhas – sua obra é a coleta de imagens ressignificadas, acompanhadas de símbolos de resistência e emblemas que remetem à sua ancestralidade.
Já o mineiro Gustavo Nazareno, novo no time da galeria, tem o trabalho marcado pelo carvão e uma intensa pesquisa de luz e sombra, além da anatomia humana. Foram em referências de moda e da cultura queer que ele encontrou a opulência e movimentos dos orixás. A série Gira, nasce de uma espécie de oferenda a Exu – uma entidade mal interpretada e muitas vezes demonizada por preconceito racial. Produzidas em estado de meditação e oração, as pinturas e desenhos apresentam um Exu triunfante – o oposto de sua representação negativa usual perpetuada pelo colonialismo. Se depender desses três, criatividade e contestação não faltarão nos próximos tempos.
Outros ensaios para o tempo
Data: 08 de junho a 29 de junho de 2021
Local: Galeria Nara Roesler