Juraci Dórea abre sua primeira individual no MUBE, em São Paulo

Artista ressignifica o sertão na arte contemporânea propondo discussões sobre sustentabilidade, resiliência, linguagem e território

por Beta Germano
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Obras de Juraci Dórea na Bienal de São Paulo
Obras de Juraci Dórea na Bienal de São Paulo

“Debaixo do barro do chão da pista onde se dança; É como se Deus irradiasse uma forte energia; Que sobe pelo chão e se transforma” – a canção Debaixo do barro do chão, com versos escritos pela pernambucana Anastácia, em 1977, e depois gravada por Gilberto Gil, empresta o título à individual do artista  Juraci Dórea, que abre no dia 30 de outubro no MUBE, como parte da rede de exposições que integram a 34a. Bienal de São Paulo

A escolha não foi à toa, enquanto Anastácia fala sobre uma força extraordinária que sobre por aquelas terras e se transforma, o artista se aproveita de toda potência e rusticidade do sertão para criar esculturas, fotografias e pinturas – muitas vezes efêmeros e sustentáveis. Debaixo do barro do chão reúne, ainda, estandartes, desenhos, anotações, registros de suas primeiras obras montadas na paisagem do semiárido, além do documentário do Projeto Terra, de 1980.

Juraci Dórea no MUBE
Projeto Terra, de Juraci Dórea no MUBE

“O Sertão é tradicionalmente uma região de conflito. Isso começa já na própria convivência do homem com uma natureza hostil, difícil, que sempre sugere combate. Mas sempre fiquei muito sensibilizado pela capacidade que o sertanejo tem de sobreviver a tudo isso, a solidariedade é muito visível. Comecei a pintar a vida dos vaqueiros e a pesquisar o couro, que faz parte do universo deles”, explica Dórea num studio visit organizado pela Bienal de São Paulo.  

Interessado em convergir linguagens visuais contemporâneas com raízes e tradições sertanejas, Juraci Dórea nasceu em Feira de Santana e foi lá onde desenvolveu toda sua produção e uma poética calcada no contato com a terra e a paisagem da região, construindo um diálogo profundo com o cotidiano dos vaqueiros. Foi para Salvador em 1961, ainda adolescente, vivendo um dos momentos mais criativos da Bahia. “Eu era muito jovem e fui um atento espectador, vendo todo aquele momento de inovação da arte baiana – o que culminou com as duas primeiras Bienais da Bahia”, explica. Ao voltar para casa, ele começa  a pintar os vaqueiros e a pesquisar o couro – o que resultou na série Estandartes do Jacuípe – um rio de Feira de Santana e também uma referência à criação do gado na região. “A ideia é recriar os signos das indumentárias dos vaqueiros, usando não só recortes do couro, mas também os ferros das celas e os usados para marcar gado”, pontua. 

Estandartes do Jacuípe, de Juraci Dórea, na  34a Bienal de São Paulo
Estandartes do Jacuípe, de Juraci Dórea, na 34a Bienal de São Paulo

Em um dos seus maiores projetos, Projeto Terra (1982 – ), presente na exposição, assimila saberes artesanais sertanejos e viaja ao interior do sertão baiano para implantar as obras naquela paisagem, muitas vezes valendo-se dos materiais encontrados nos campos e pastos. Com isso, seu público prioritário deixava de ser o visitante urbano das instituições culturais e passava a ser as populações sertanejas – criando interessantes choques e rearranjos entre concepções de arte, linguagem e território. 

Já a série de pinturas História do Sertão, criada nos anos 1980, foi um processo de transformação: “Voltei-me para a  literatura de cordel e o resultado foi uma figuração mais solta que lembrava as ilustrações das capas dos poemas de cordel tão comuns na Feira de Santana”. Plástico e visceral, Dórea dialoga com a abstração geométrica, com a performance e com a land art. Mas o seu maior trunfo é, sem dúvidas, a rusticidade do sertão. Como ele próprio conclui: “Não há lugar melhor para se expor do que o sertão. O sertão é um grande museu”. Precisa de mais?

 Juraci Dórea, no MUBE
Juraci Dórea, no MUBE

 Debaixo do barro do chão

Data: 30 de outubro até janeiro de 2022

Local: MUBE

Endereço: R. Alemanha, 221 – Jardim Europa

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