Juliana Cerqueira Leite

por Julia Lima

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A primeira vez que conheci o trabalho de Juliana Cerqueira Leite, estava estudando História da Arte em Londres, e uma de suas esculturas ocupava um platô entre escadas do Courtauld Institute. Em 2009, numa época na qual a arte contemporânea fazia pouco mais sentido que a física quântica, aquela intervenção no espaço era um sopro de ares nunca antes sentidos, cheia de mistério e fascinação. Leite, brasileira nascida em Chicago e hoje radicada em Nova York, tem uma capacidade ímpar de criar objetos atrativos e repelentes em igual medida, especialmente nesta série de trabalhos que parecem ora comida, ora material de construção, feitos a partir de resina e gesso e evocando vazios do corpo como molde original. Vistas de certos ângulos, essas peças são o corpo em si, por outros apenas a casca de algo que já cresceu e partiu, deixando para trás apenas um resto de evidências. Outras vezes seu trabalho também nos lembra elementos da natureza realizados em materiais industriais (ou vice-versa), em formas animalescas e acabamentos artificiais.

Um traço comum em toda sua produção é a intensidade vigorosa do corpo da própria artista demandada na realização de suas obras. Para o projeto Climb, de 2012, por exemplo, Leite propôs a realização de uma escultura durante uma residência no Sculpture Space, em Utica, Nova York, que tivesse quase 4 metros de altura e quase 80 cm de largura na base (afunilando-se em direção ao topo). A escultura foi feita a partir do molde direto de uma estrutura similar feita de argila, escavada de dentro para fora – essa estrutura havia sido feita com 4 toneladas de argila, e Cerqueira Leite acessava seu interior por um buraco perto da base, que a permitia cavar por dentro o material até quase o topo. Essa escalada vertical deixava oco o totem de argila, uma espécie de casulo auto-construído, esburacado pela artista enquanto ia subindo aos poucos. Toda a superfície, assim, é marcada por impressões de seu corpo: são os dedos dos pés, marcas dos joelhos, depressões causadas pelos cotovelos, etc.

Esse uso do corpo não se resume aos trabalhos em escultura, porém. Em Walking Drawing, uma alusão ao “Caminhando” de Lygia Clark, Cerqueira Leite realizou um desenho sobre uma longa tira de papel que dava a volta em seu corpo e lhe encerrava dos pés à cabeça, traçando um percurso pré-definido em um mapa. O resultado foi um desenho feito pelo peso de seu corpo e a sujeira do trajeto percorrido que, numa espécie de decalque, marcavam o papel de novo e de novo, como uma esteira de trator ou tanque de guerra.

Mais recentemente, em 2013, a artista produziu uma escultura in situ para sua exposição na Galeria Triângulo, em São Paulo, que consistia em uma estrutura de madeira e compensado produzida a partir das medidas de seu corpo onde ela adentrava para, então, manter-se no centro. Dali, os braços eram capazes de erguer a “parede” da instalação, também usando a já familiar argila. Foi criada uma casca de mais de 10 centímetros de espessura, com todas as marcas das mãos, pés, braços e pernas de Cerqueira Leite, com todas as memórias de cada nova camada e cada membro do corpo. Depois de pronta, a escultura foi recoberta com camadas de látex, revelando todas as formas convexas e marcas que foram deixadas no material. Depois, esse “plástico” que recobria o interior desse útero argiloso foi descascado e “esvaziado”, ao ponto em que apenas sobrava a memória do barro que antes lhe dera forma.

Atualmente, a artista está no Brasil em residência no programa Pivô Pesquisa, em São Paulo, pesquisando artefatos ameríndios para uma nova série de trabalhos que será mostrada futuramente.

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