Quem segue nas redes sociais o escritor angolano José Eduardo Agualusa, um dos autores lusófonos contemporâneos mais traduzidos em todo o mundo, já percebeu que não é só a arte da palavra que ele domina. Isso porque basta um olhar rápido em sua página de Instagram para se encantar pelas fotografias que ele captura em suas andanças por aí.
O que muitos não sabem é que seu amor pela fotografia começou tão cedo quanto pela literatura, ainda criança, quando descobriu em casa uma câmera antiga e decidiu se aventurar com ela. Apesar dessa longa experiência, e inclusive profissional, ele não se considera um fotógrafo. O seu ofício de escritor, porém, é bastante influenciado pelas fotografias, tanto as suas próprias quanto as de outros.
Conhecido no Brasil especialmente por seus romances O Vendedor de Passados e Teoria Geral do Esquecimento, ele vive hoje entre Portugal e Moçambique. Lançou recentemente Os vivos e os outros, A Sociedade dos Sonhadores Involuntários e O terrorista elegante e outras histórias (este a quatro mãos com Mia Couto). Todos esses três livros editados pela Tusquets no Brasil, selo da Planeta dos Livros, têm em suas capas obras do artista brasileiro Alex Cerveny. Em 2020, Agualusa também lançou em Portugal o livro-objeto Gramática do Instante e do Infinito, seu primeiro livro com fotografias originais e poesias de sua autoria!
O AQA preparou uma entrevista com o escritor para falar um pouco sobre sua relação com a fotografia e as artes visuais no geral. Ele, que é formado em Silvicultura e Agronomia, contou que sempre teve “mais interesse por arte do que por ciências exatas” e que prepara agora, no Centro Cultural Português de Maputo, na capital moçambicana, uma exposição de suas fotografias com curadoria da artista gráfica e editora brasileira Lúcia Bertazzo. Ele também revela outros autores angolanos que têm alguma prática relacionada às artes visuais!
Confira a entrevista na íntegra abaixo:
ARTEQUEACONTECE: Há quanto tempo você fotografa e como se interessou pela fotografia?
José Eduardo Agualusa: Devia ter dez ou onze anos quando descobri em casa uma câmera antiga, de fole. Fiquei fascinado. Limpei e recuperei a câmera e comecei a fotografar com ela. Com 16 anos, fiz um curso de revelação em câmera escura. Lembro-me que na faculdade, em agronomia, havia um grupo de estudantes que se interessavam por fotografia. Tínhamos um laboratório pequeno mas bem equipado. Eu passava mais tempo a revelar fotografias do que nas salas de aula. Também durante o tempo em que estudava agronomia, ou fingia estudar, tirei um curso de cerâmica. Fazia pequenas esculturas que vendia na rua e com esse dinheiro comprava livros. Acho que sempre tive mais interesse por arte do que por ciências exatas.
O quanto o que você fotografa tem relação com o que você escreve? As fotografias te ajudam na escrita?
Por vezes, quando estou a preparar um novo romance, gosto de fotografar os lugares que visito ou as pessoas que entrevisto. Mais tarde, enquanto escrevo, essas imagens ajudam-me. Também posso partir de imagens de outros autores para escrever. No meu novo romance, Os vivos e os Outros há uma cena, de que gosto muito, que começa com uma das personagens vendo uma fotografia extraordinária de um fotografo moçambicano chamado Mário Macilau. É uma foto que tenho em minha casa. Comprei-a (e não foi nada barata). Moçambique conseguiu criar uma escola de fotografia notável, e é hoje dos países africanos, juntamente com a África do Sul, com fotógrafos mais interessantes.
Fale um pouco sobre a exposição que vai abrir! Como foi o convite?
Depois que publiquei um livro de poesia e fotografia, chamado Gramática do Instante e do Infinito, um objeto muito, muito, muito lindo, com arte gráfica de uma brasileira, a Lúcia Bertazzo, comecei a receber convites para exposições. Acabei aceitando a proposta do Centro Cultural Português de Maputo, que tem uma boa sala de exposições. A Lúcia Bertazzo fará a curadoria. A Lúcia é que me inventou enquanto fotógrafo. Obviamente, não sou fotógrafo. Toda a beleza daquele livro, Gramática do Instante e do Infinito, se deve ao imenso talento da Lúcia. Ela faz o livros mais lindos do mundo. A exposição vai ter imagens da Ilha de Moçambique, como no livro, mas também alguns retratos de escritores. Fotografia implica intimidade. Sendo escritor, ganhei intimidade com outros companheiros de ofício. Por isso consegui fazer alguns retratos realmente interessantes. Esses, sim, se me permite a imodéstia, são mesmo bons.
Tem fotógrafos que você acompanha? Se sim, quais?
Talvez eu começasse por citar alguns fotógrafos africanos de que gosto muito. Já falei no Mário Macilau. Há um sul-africano, bastante famoso, o Pieter Hugo, que eu sigo com muita atenção. Aliás, também influenciou os meus livros. Um dos episódios mais cinematográficos d’As mulheres do meu pai [romance de Agualusa], que envolve hienas amestradas e anões, foi inspirado numa série de imagens do Pieter Hugo. Em Moçambique também gosto muito do Mauro Pinto e do Filipe Branquinho. Em Angola, do Kiluange. No Brasil podia falar do Sebastião Salgado, óbvio, com um universo e uma ideologia com os quais me identifico. Há um fotógrafo meu amigo, o Marcelo Buainaim, de Mato Grosso do Sul, e que hoje vive no nordeste, de que eu gosto muitíssimo. Foi graças ao Marcelo que entrevistei o Manoel de Barros, há quase 25 anos. O Marcelo, aliás, tem fotos fabulosas do Manoel passeando no Pantanal.
Qual é a sua relação pessoal com as artes visuais no geral?
Sempre me interessei muito por artes visuais. Acho que se não fosse escritor gostaria de ser artista. Não há nada de original nisso. Há muitos escritores que se interessam por artes plásticas. Assim de repente estou a lembrar-me do Ferreira Gullar, no Brasil. A Lúcia Bertazzo produziu um livro com trabalhos do Gullar. Em Angola, temos vários escritores-artistas: do Luandino Vieira ao grande poeta Ruy Duarte de Carvalho. O Ruy, que antes de ser antropólogo foi regente agrícola, sabia tudo sobre bois, e passou muitas horas desenhando aquarelas dos bois dos pastores nómadas do sul de Angola. Ofereceu-me duas dessas aquarelas, que emoldurei e estão no meu escritório. Ando há anos a tentar convencer editoras a publicarem um livro com as aquarelas e os desenhos do Ruy. O Ondjaki também pinta. E há muitos outros.