“A ideia de representar o Brasil hoje, seja onde for, é antes de tudo um desafio pela responsabilidade diante do quadro de complexidades cruciais que o país enfrenta hoje. Que a arte consiga traduzir o embaraço que é viver nos nossos tempos e que inspire sonhos que permitam desatar esses nós”, afirma o artista alagoano Jonathas de Andrade – escolhido pelo curador Jacopo Crivelli Visconti para representar o país na próxima 59ª Bienal de Veneza.
“O artista busca em seus trabalhos a ideia de uma cultura autenticamente popular, em todas as possíveis acepções e na intrínseca complexidade dessa definição. O corpo, principalmente masculino, é o eixo norteador para abordar temas como o universo do trabalho e do trabalhador, e a identidade do sujeito contemporâneo, por meio de metáforas que oscilam entre a nostalgia, o erotismo e a crítica histórica e a política”, afirma o curador da 34ª Bienal de São Paulo e responsável pela escolha do artista que ocupará o Pavilhão do Brasil.
Vale lembrar que o tema da edição de 2022, curada por Cecilia Alemani, é “The Milk of Dreams” – uma referência ao livro infantil dos anos 1950 da artista surrealista Leonora Carrington. Para Alemani, “a artista descreve um mundo mágico em que a vida é constantemente repensada por meio do prisma da imaginação, e onde todos podem mudar, ser transformados, tornar-se outra coisa e outra pessoa. A exposição nos leva a uma jornada imaginária pelas metamorfoses do corpo e das definições de humanidade”. A ideia é desenhar um mundo libertado, repleto de possibilidades, e refletir sobre as nossas responsabilidades para com o planeta. Apesar das difíceis circunstâncias globais, a curadora promete “uma exposição otimista, que celebra a arte e sua capacidade de criar cosmologias alternativas e novas condições de existência”.
Utilizando-se de estratégias que misturam ficção, realidade, tradição e negociação, Jonathas é hoje um dos jovens artistas mais reconhecidos de sua geração – com passagem pelo New Museum e Museum of Contemporary Art Chicago. Um de seus projetos mais emblemáticos é o conjunto de trabalhos que de Andrade reúne no Museu do Homem do Nordeste, concebido como possível contraponto ao museu antropológico criado em 1979 por Gilberto Freyre, ainda existente na cidade do Recife. Enquanto o museu original revisa a história colonial e a identidade da região a partir de uma reunião de artefatos e objetos históricos, de Andrade desloca seu olhar para as pessoas, deixando transparecer a maneira como as relações de poder e de classe carregam os rastros e as consequências da história.
Vale destacar, ainda, sua participação na 29ª Bienal de São Paulo (2010), com Educação para Adultos (projeto que envolve cartazes usados na alfabetização de adultos usado pela mãe do artista e o método de alfabetização nacional idealizado por Paulo Freire interrompido durante a ditadura militar); e na 32ª Bienal de São Paulo (2016), quando apresentou o já emblemático Peixe.
Outros trabalhos recentes, como Jogos dirigidos (2019) e Infindável mapa da fome (2019-2020) nascem de um processo de convivência e troca com comunidades de lugares distintos do Brasil e que carregam as marcas de processos históricos muito específicos, resultando em trabalhos autenticamente colaborativos, onde a própria noção de autoria se dissolve e se torna mais complexa.
Para esta edição, Andrade está trabalhando em uma instalação inédita, comissionada para a ocasião, em diálogo com o tema da edição.