Iole de Freitas reafirma o papel de resistência do artista em individual na Raquel Arnaud

A artista apresenta até 18 de setembro a exposição ‘Rubro’, com esculturas de parede e de chão inéditas, realizadas o longo do último ano em um processo desafiador imposto pela pandemia

por Jamyle Rkain
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Rubros, Pálidos e Lívido, 2021

Um conjunto de trabalhos que pontuam a vitalidade, a resistência e a reação. É assim que a artista Iole de Freitas descreve as novas obras que apresenta na exposição Rubro, em cartaz na Galeria Raquel Arnaud, em São Paulo, a partir de 14 de agosto. Esculturas de parede e de chão contorcidas em dobras bem curvadas, cores e acabamentos variados, o conjunto foi concebido, de acordo com a artista, como uma espécie de “testemunho de resistência” contra o descaso e o projeto de destruição que o Brasil tem enfrentado no momento, ainda mais no que diz respeito ao espectro cultural.

O título da exposição parte sobretudo dos tons de vermelhos que são utilizados em algumas das esculturas. A cor passou a ser usada pela artista em especial no ano 2000, sendo parte de obras em grandes formatos que ela apresentou em uma individual no Centro de Arte Helio Oiticica, no Rio de Janeiro, naquele ano. Nesta mostra atual, porém ela trabalha com tons diferentes de vermelhos, um vermelho escarlate e um vermelho rubro.

Detalhe de Rubros, Pálidos e Lívido, 2021.

A cor pode ser vista na exposição em dois trabalhos em paredes opostas da galeria, um composto de 14 obras e outro de três obras. Todas as peças, incluindo outras sete brancas que foram montadas no chão, foram criadas a partir de três papeis de 1,13m x 77cm. Desses papeis, a Iole vai desenvolvendo seis recortes, dos quais ela cria volumes. “Então, há toda uma diversidade volumétrica, conquistada a partir de tensões que eu vou criando nos papeis, que vão dando as curvaturas. Eu faço isso com um tipo de fita”, ela explica em entrevista ao ARTEQUEACONTECE. Esses moldes, depois, se transformam em obras em aço inox em dimensões variáveis, concebidas no próprio ateliê que a artista tem em um galpão no bairro da Glória, no Rio de Janeiro.

Iole de Freitas, Derretida, 2021

As obras são feitas em calandras, instrumentos que prensam e curvam chapas de metal. As que são usadas por Iole foram especialmente desenhadas no ateliê da artista, com o intuito de trabalhar com esse tipo de aço que alcança entre 2mm e 3mm. A maior obra que está na mostra, intitulada Derretida, porém, teve que ir para a caldeiraria, por ter dimensões grandes e também ser feita em uma chapa de aço de 6mm de espessura. Essas torções nessas chapas no todo são muito fortes, possíveis a partir de técnicas que a artista e sua equipe, integrada por dois técnicos que trabalham diretamente com ela, aprimoraram ao longo de muitos anos de treino e de experiência.

Essa parte do procedimento de Derretida na casa de caldeiras foi acompanhada à distância pela artista por WhatsApp ao longo desse período pandêmico. Para Iole, foi essa relação remota foi um processo bastante desafiador. Derretida teve dois estudos em formatos menores feitos no próprio ateliê, enviados para a caldeiraria como exemplos do que deveria ser feito. Os detalhes foram todos acertados minuciosamente a partir das observações de fotos e vídeos trocados pelo aplicativo de conversas.

Iole de Freitas, O Rubro, 2021

No grande painel que é formado por 14 peças, a artista conta tem como objetivo trazer a questão da pluralidade, onde se tem a unidade na diversidade: “Eu queria aqui ter essa impregnação múltipla”, ela ressalta. Assim, nessas obras em aço são aplicadas texturas variadas, sendo opacas ou brilhosas, além de ter o elemento cor inserido: “Queria ter essa pluralidade de expressões visuais em uma mesma parede”. Na parede oposta, O Rubro, uma obra composta por três elementos em um tom puxado para o vermelho rubi, ou rubro, seguem a mesma metodologia.

Iole de Freitas, Lívidas, 2021

Os sete elementos brancos dispostos no chão, chamados Lívidas, possuem características do raciocínio do início do processo de concepção das peças que compõem a exposição. A artista explica que quando faz os recortes para realizar as dobras, ela utiliza o chão como base de apoio. A partir daí, vão surgindo também as volumetrias, como se elas estivessem a crescer do solo, criando suas formas e até mesmo parecendo que querem voar, sendo inclusive algumas um pouco maiores que as outras e sendo complementos de outras, pois foram iniciadas em desenhos e recortes de um mesmo papel.

Ao fundo do espaço expositivo da galeria, estão outras quatro peças, uma solitária e outras três articuladas como uma obra só. Esta última foi criada pela artista para uma exposição com obras de artistas que integram o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) no Instituto Ling, em Porto Alegre. “Ela trabalha com as questões da minha última exposição aqui na galeria, onde trabalhei os côncavos e os convexos”, conta Iole. Na mostra passada, Dobradura Curva, as texturas que a artista colocou nas obras eram ainda mais fortes do que as que estão nas obras mais recentes. Adaga de papel, a escultura solo na parede, também tem esse estilo, sendo mais rugosa, como se fosse realmente um papel, em muitas camadas de pintura e lixamentos, bem longe de ser uma pintura automotiva.

Rubro é uma mostra que foi pensada especialmente para o espaço da Galeria Raquel Arnaud, com obras que foram pensadas ao longo de 2020 mas executadas apenas em 2021. A artista tem produzido produzido mais esculturas recentemente, mas também está trabalhando com filmes, sendo que ainda tem para desdobrar 23 rolos de Super 8 que são registros em vídeo feitos nos anos 70. Três deles, que registram momentos do cotidiano nos lugares onde morou em Nova York e em Milão, constituem um filme de sete minutos que já está pronto, com música de Rubinho Jacobina e montagem de Gabi Paschoal.

Depois de cancelar alguns planos no início da pandemia, como a mostra de reabertura do IAC em março e uma viagem para Portugal para montar uma exposição, a artista ficou reclusa em casa, passando a ir com muito cuidado e isolada para o seu ateliê alguns meses depois. Nesse período, ela também continuou virtualmente o acompanhamento de artistas que realiza na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, tendo inclusive compilado o resultado desses encontros em uma publicação artesanal impressionante de aproximadamente 1000 páginas. Continuou a trabalhar, em um ato de quem resiste: “Eu tenho essa certeza de que neste momento, agora, a gente não pode se calar. Temos que nos apresentar e nos apresentamos através da linguagem que escolhemos a vida inteira, que é a linguagem visual”.

Iole de Freitas: Rubro
Data: Até 18 de setembro
Local: Galeria Raquel Arnaud (R. Fidalga, 125 – Vila Madalena, São Paulo – SP)
Mais informações: https://raquelarnaud.com/

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