O vigésimo e novo pavilhão permanente de Inhotim, dedicado à artista japonesa Yayoi Kusama já nasce com uma vocação: ser o espaço mais instagramável do maior museu a céu aberto do mundo. A maioria dos seus trabalhos, inclusive as três instalações pertencentes ao acervo do instituto, foram concebidos muito antes da febre de selfies e um pouco antes do nascimento do próprio Instagram: a mídia social foi lançada em 2010; enquanto Narcissus Garden e Aftermath of Obliteration of Eternity são de 2009 e I’m Here, But Nothing, da série Infinity Mirror Rooms, foi concebida em 2000.
O primeiro Narcissus Garden foi criado, na verdade, em 1966, quando ela usou nosso próprio narcisismo como base do trabalho muito antes do celular. E a primeira versão do Infinity Mirror Rooms foi montada um ano antes.
Julia Rebouças, diretora artística e curadora-chefe no Inhotim, lembra que Kusama sempre “questionou a construção de imagem e os limites entre o que é real e alucinação ou ilusão”. É por meio de técnicas ópticas e da repetição de formas que ela cria ambientes imersivos que deslocam o “eu” para um espaço sem limites ou bordas, o infinito. Desenvolve, assim, o conceito de “auto-obliteração”: abolição da individualidade para se tornar um com o universo.
“Mostramos, aqui em Inhotim, três maneiras diferentes em que ela propõe essa dissolução do self, da figura no espaço – parte central do trabalho”, expõe o curador Douglas de Freitas. De fato, quem visitar o museu poderá vivenciar formas distintas de percepção da subjetividade e do próprio corpo nos múltiplos espaços propostos pela artista: em Narcissus Garden, vemos nossa própria imagem rebatida, repetida e fragmentada em bolas prateadas que se movem com o vento; em I’m Here, But Nothing nos encontramos, por um minuto, sozinhos em uma sala com luzes multiplicadas num fundo infinito, criado pelo forro de espelhos e breu absoluto; e, em Aftermath of Obliteration of Eternity, vivenciamos, por 3 minutos, uma sensação quase alucinógena de estar numa sala preenchida por uma luz ultravioleta com móveis e objetos reconhecíveis (toda vez que essa obra é montada são usados obrigatoriamente móveis e plantas locais), porém repletos de suas hipnotizantes e psicodélicas bolinhas.
“Quando concebeu o primeiro Infinity Room, ela estava em NY e o mundo da arte era muito pequeno e a ideia dos happenings e dos ambientes criados para experiências especiais era essencial para aquele grupo. Ela usava o próprio loft para as ações e a linha entre criativo e audiência era muito mais permeável que hoje. É fascinante pensar que parte da fama do Infinity Room se dá por causa de uma geração que se comunica via Instagram. E é brilhante o fato da experiência funcionar num mundo pequeno, como quando surgiu; e também no mundo gigante e conectado de hoje. Isso porque ela criu uma experiência que atinge qualquer pessoa e aí está a força de seu trabalho”, explica Allan Schawartzman, diretor-fundador de Inhotim.
Aos 94 anos, Kusama ainda produz com auxilio da equipe do seu estúdio que participou ativamente da concepção e aprovações do pavilhão. Mas ela foi diagnosticada, desde criança, com esquizofrenia e a doença é, muitas vezes, relacionada com sua criatividade e obsessões compulsivas – parte da ideia das instalações é, aliás, revelar essas visões que ela tinha.
“Ela vive boa parte do tempo em sua própria cabeça, não sai muito para ver o mundo real. Sua mente trabalha de uma forma especial, e provavelmente não é da mesma forma que outras mentes funcionam. Mas mesmo assim ela consegue comunicar e alcançar uma audiência massiva – isso é, certamente, impressionante”, completa Schawartzman. Ela é capaz, portanto, de atravessar a barreira entre sua própria alienação e a realidade e, por isso, é única.
É interessante notar que aprendemos a ver o mundo, nos últimos anos, sempre através de telas, mas mesmo com elas apontadas para os estímulos propostos pela artista, a natureza da “experiência” – psicologicamente, emocionalmente ou fisicamente – em seu trabalho é tão primordial que, independentemente de como você entra no trabalho de Kusama, terá uma experiência real.
ARTE, ARQUITETURA E BOTÂNICA
A união entre arte, arquitetura e botânica está cada vez mais forte no DNA do Inhotim e esta harmonia é bastante evidente no novo pavilhão. Assinada por Fernando Maculan e Maria Paz, a galeria que abriga dois trabalhos de forma permanente, Aftermath of Obliteration of Eternity e I’m Here, But Nothing, parte da ideia de uma lâmina ancorada no terreno que cria uma divisão entre a natureza intacta e o paisagismo elaborado do parque. O projeto modular que une aço corten e nióbio foi desenhado para evitar resíduos e diminuir a emissão de carbono da construção. Como existe um limite de pessoas dentro das instalações, muito provavelmente as obras irão gerar filas e, por isso, a dupla de arquitetos idealizou um espaço de espera e transição antes da galeria: o público vai sair do parque iluminado para uma área sombreada onde poderá se preparar para a experiência imersiva.
Juliano Borin, curador botânico do Inhotim, fez uma sensível pesquisa sobre a filosofia e jardins japoneses para “ocupar” esse espaço com quase 4 mil bromélias organizadas em caminhos labirínticos que, de acordo com os budistas, “afastam os espíritos maus”. Com a mesma finalidade, ele posicionou conjuntos de hematitas em locais estratégicos que irão oxidar com o tempo – assim como o aço corten da construção. Essas escolhas têm a ver com a vontade de valorizar a transformação e transitoriedade – valores comuns à cultura japonesa e a à filosofia wabi-sabi.
Além de plantas pintadas, fazendo referência às famosas bolinhas de Kusama, ele selecionou cerca de 200 espécies que florescem, na sua maioria, nas cores vermelha e laranja. A cobertura da galeria será formada por uma onda de congéias em tons rosa e lilás. A ideia é trazer desordem e organicidade ao projeto racional, além de garantir, em mais um ponto, o caráter transitório e mutante ao espaço.